Caso Brumadinho sob o ponto de vista jurídico



O caso de Brumadinho é o registro do maior acidente de trabalho da história do Brasil e poderá se tornar o segundo acidente industrial mais mortífero do século 21 em todo mundo, segundo especialistas e rankings compilados pela BBC News Brasil. Trata-se de um crime ambiental e também uma tragédia.


Apesar da baixa responsabilização penal contida na lei brasileira para crimes de natureza ambiental, eles possuem um efeito mais devastador que os crimes de natureza propriamente penal, como são os casos de furto e roubo, por exemplo. “É por isso que todo crime ambiental passa a ser considerado uma tragédia para a sociedade brasileira”, destaca Carlos Rodrigues Bandeira, advogado especialista em direito penal.

- Na entrevista abaixo, o advogado esclarece alguns pontos importantes sobre a jurisprudência no caso Brumadinho.

- Como analisar quem deveria ser realmente responsabilizado de acordo com a lei penal brasileira?

Existem dois sujeitos que praticaram crimes e precisam ser responsabilizados. O primeiro seria a empresa pelo crime ambiental, com sanções de natureza econômica, visto ser impossível cominar punição de reclusão para a pessoa jurídica. Depois, os diretores e gerentes com poder de comando que detinham conhecimento da possibilidade de rompimento da barragem e agiram com imperícia e negligência.

- Esses responsáveis assumiram o risco, transformando o dolo da ação em dolo eventual (quando se assume os riscos de se produzir um resultado que poderia ser evitado com o mínimo de cuidados).


Ao contrário do que a diretoria da Vale declarou, a empresa deve ser punida porque não é nenhuma “joia” do Brasil. Trata-se de uma empresa privada como muitas outras no país e a lei penal se aplica a todos indistintamente. Caso esse raciocínio fosse seguido, todas as empresas que atuam no país estariam autorizadas a cometer crimes contra a população dando margem à impunidade penal.

Vale lembrar que o número de vítimas do rompimento da barragem de Brumadinho superou o número de vítimas em muitos bombardeios diários na Síria, país em guerra há quase uma década.

- Como se determina a responsabilidade dos diretores de empresas por danos à população?

A responsabilidade de qualquer gestor ocorre de acordo com dois fatores para esse caso: a posição que ocupa dentro do complexo hierárquico da empresa e a detenção ou não de poderes de gestão ou comando dentro dessa estrutura. Isso significa que existe a responsabilização de um diretor com poder de mando para autorizar o fechamento ou abertura de barragens ou de um técnico que deixou de recomendar o fechamento da barragem, mesmo com risco de rompimento.

Por outro lado, há a exclusão de ilicitude que um parecer possa apresentar quando, mesmo com a avaliação do técnico, a decisão foi descumprida pelo diretor com poder de mando. Nesse caso, será possível excluir a ilicitude do técnico e a infração recair inteiramente sobre o diretor ou conselho diretor, por exemplo.

- A flexibilização da legislação ambiental brasileira pode ter contribuído para que ocorresse o rompimento da barragem?


Podemos dizer que sim. Não somente a baixa responsabilização ambiental-penal das leis brasileiras, que são muito brandas para um país com uma biodiversidade vasta como o Brasil, mas um conjunto de fatores. Itens que vão desde a correta fiscalização até o próprio desprezo pelo correto cumprimento de regras por parte da empresa com a necessária manutenção de uma estrutura segura que impedisse o rompimento da barragem.

O fato que ocorreu em Mariana (MG) em 2015 deixando quase duas dezenas de vítimas e se repetiu com mais de uma centena de vítimas e vários desaparecidos, somados a dois urbicídios. Contudo, o principal fato que contribuiu para um novo acidente a partir do rompimento da barragem foi a impunidade do primeiro desastre ocorrido em Mariana com a condenação da empresa a uma multa irrisória para o tamanho da tragédia e a não indenização das vítimas. Um crime que para os níveis penais pode ser tomado como um caso de impunidade.

- Quais mudanças devem haver na legislação do país para evitar que casos como o de Brumadinho se repitam?


A principal mudança é o aumento de penas para a cadeia de comando de empresas que agirem com displicência para com a vida da população e o aumento das sanções econômicas atribuídas às pessoas jurídicas que praticarem os ilícitos ambientais. Situação que ocorreu, por exemplo, com a Volkswagen e a multa de 24 bilhões de dólares pela fraude na emissão de poluentes pelos motores do veículo da empresa.

No entanto, a multa só terá o efeito educacional se tiver relação com o dano resultado de uma negligência da empresa. Como no primeiro caso de Mariana (MG), um conjunto de fatores contribuiu para que um crime pior tenha ocorrido em menos de cinco anos.



Fonte: Carlos Eduardo Rodrigues Bandeira -  advogado especialista em Direito Penal, doutorando em direito político e econômico, consultor em direito penal no Theon de Moraes Advocacia Empresarial