IA obriga universidades a repensarem papel




Durante muito tempo, a faculdade foi o principal passaporte para o sucesso profissional. O diploma era sinônimo de estabilidade e status. Hoje, essa lógica desmoronou. O avanço da tecnologia, o crescimento dos cursos livres e a ascensão da inteligência artificial mudaram radicalmente o que significa estar preparado para o mercado. O conhecimento se tornou líquido, atualizado em tempo real e disponível em qualquer lugar. O ensino superior, como o conhecemos, está diante de um ponto de ruptura: ou se transforma em um ecossistema de aprendizado contínuo, ou perderá relevância para sempre.

Segundo o Hiring Lab, centro de pesquisa do Indeed (2023), a proporção de vagas nos Estados Unidos que já não exigem diploma universitário formal vem crescendo de forma consistente nos últimos anos, refletindo a tendência de desvalorização do diploma de quatro anos. Essa mudança não é isolada. De acordo com a National Association of Colleges and Employers (NACE, 2024), quase dois terços das empresas já adotam práticas de contratação baseadas em habilidades (skills-based hiring). Isso mostra que o diploma perdeu protagonismo: o que realmente importa é a capacidade de aprender rápido, aplicar o que se aprende e usar as ferramentas digitais como aliadas da produtividade.

Há quem veja nesse movimento o início do fim das universidades. Mas o cenário é mais complexo. O que está em colapso não é a ideia de educação, e sim o modelo engessado que ainda domina o ensino superior. Cursos de quatro ou cinco anos, currículos desatualizados e aulas teóricas demais já não respondem à velocidade do mundo real. O mercado global de educação online, avaliado em mais de 20 bilhões de dólares, deve crescer cerca de 12% ao ano até 2034, segundo projeções da Global Market Insights. Plataformas como Coursera, Udemy e Class Central já oferecem mais de 250 mil cursos ativos em diferentes áreas e idiomas. O ensino se descentralizou e, agora, qualquer pessoa com acesso à internet pode aprender, criar e ensinar.

As faculdades que resistirem à mudança correm o risco de se tornarem irrelevantes. As que sobreviverem precisarão abandonar o papel de “único caminho para o sucesso” e adotar uma estrutura modular e prática. Em vez de longas graduações, surgem microcertificações, mentorias e programas que evoluem junto com o mercado. Essa mudança já traz impactos práticos nas empresas. De acordo com o relatório Dismissed by Degrees, elaborado pela Harvard Business School em parceria com a Accenture e o Grads of Life, profissionais contratados com base em habilidades, e não apenas em diplomas, apresentaram desempenho e taxas de retenção equivalentes ou superiores às de profissionais com graduação tradicional. O dado reforça que desempenho e adaptabilidade pesam mais do que títulos.

Críticos argumentam que esse modelo pode comprometer a profundidade do conhecimento. É um ponto válido. Mas a resposta não está em preservar o ensino ultrapassado, e sim em combiná-lo com prática e propósito. O futuro do aprendizado é híbrido, sendo presencial e digital, técnico e humano, rápido e contínuo. O conteúdo teórico continuará essencial, mas precisa andar lado a lado com pensamento crítico e responsabilidade social. As universidades não podem mais se limitar a observar o mercado de longe, precisam participar dele, formando profissionais que aprendam enquanto trabalham e que vejam o aprendizado como parte do cotidiano, não como uma etapa encerrada com o diploma.

O ensino superior do futuro não será feito de prédios e provas, mas de redes vivas de aprendizado. O diploma deixará de ser o ponto final de uma trajetória para se tornar apenas um marco dentro de uma trilha contínua. Em tempos de inteligência artificial, o diferencial humano está em aprender o tempo todo. As universidades que entenderem isso não apenas sobreviverão, serão protagonistas de uma nova era da educação.



Fonte: Renato Asse - fundador da Comunidade Sem Codar, a maior escola de No Code e IA da América Latina.