Endividamento se espalha por todas as classes sociais brasileiras




Nunca estivemos tão endividados — e tão inseguros em relação ao futuro financeiro. Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o Brasil bateu um recorde preocupante: 79,2% das famílias declararam ter dívidas. A inadimplência, que atinge 30,5% das famílias, expõe um problema que vai além dos números: trata-se de um reflexo do modo como tomamos decisões financeiras em um contexto de juros altos, consumo impulsivo e fragilidade emocional diante do dinheiro.

Os dados mostram que o endividamento se espalha por todas as classes sociais. As famílias de menor renda continuam recorrendo ao crédito para manter o básico; as de maior renda, por sua vez, se veem presas a financiamentos longos e padrões de consumo difíceis de sustentar. 

O cartão de crédito segue como o principal vilão — e, paradoxalmente, também o principal alívio momentâneo. Na economia comportamental, esse é o típico “viés do presente”: a tendência de valorizar o prazer imediato e subestimar o peso das decisões no futuro. Quando o boleto chega, o arrependimento é alto — mas o comportamento se repete, movido por emoções e não por cálculos racionais.

Nathalie Spencer, em Good Money, lembra que a relação saudável com o dinheiro começa quando entendemos que ele é um meio para o bem-estar, não uma medida de valor pessoal. O problema é que, no Brasil, a educação financeira ainda é vista como sinônimo de matemática — e não de comportamento. 

Já Morgan Housel, em A Psicologia do Dinheiro, reforça que “o modo como você se comporta com o dinheiro importa mais do que o quanto você sabe sobre ele”. Essa frase explica muito sobre o que está acontecendo: temos acesso a mais crédito, mais informação e mais ferramentas do que nunca, mas ainda tomamos decisões movidas por medo, comparação social e impulsividade.

A alta dos juros — hoje em torno de 10,75% ao ano, agrava o quadro. Mas o problema não é apenas macroeconômico. Ele é humano. É o medo de perder status, a pressão para acompanhar o estilo de vida alheio, o desejo de compensar frustrações com consumo. É o que os economistas comportamentais chamam de “contágio social do gasto”: quanto mais vemos os outros gastando, mais sentimos vontade de fazer o mesmo. Nas redes sociais, esse contágio é constante, e a fatura, inevitável.

O resultado é um país em que 13% das famílias já dizem não ter condições de pagar as dívidas em atraso — o maior número da série histórica. A inadimplência cresce, o consumo desacelera e o crédito, que deveria impulsionar oportunidades, se torna armadilha. 

Para reverter essa tendência, não basta reduzir juros ou renegociar dívidas: é preciso mudar o comportamento. Isso significa promover uma educação financeira centrada em valores, não apenas em números; em consciência, não apenas em controle.

A boa notícia é que a economia comportamental também oferece caminhos práticos para mudar esse padrão:

- Automatizar decisões positivas — como poupar uma quantia fixa logo após receber o salário, ajuda a reduzir o esforço mental e contornar a procrastinação.

- Criar compartimentos mentais para o dinheiro -  separando gastos essenciais, prazeres e metas futuras, faz o cérebro enxergar cada escolha com mais clareza.

- Usar gatilhos visuais, como anotações ou aplicativos - que mostram o impacto do consumo no longo prazo, reforça a consciência do eu futuro.

E, por fim, redefinir o que é sucesso financeiro: menos sobre ter mais, e mais sobre viver com tranquilidade. Talvez a pergunta mais importante agora não seja “quanto eu devo?”, mas “por que eu consumo?”

Enquanto não respondermos a isso — com honestidade e autoconhecimento — continuaremos trocando bem-estar futuro por conforto momentâneo. E, nesse jogo, o preço sempre chega antes do aprendizado.



Fonte: Olívia Resende - especialista em Educação Financeira, economista, mestre e doutora em Administração, além de docente do Centro Universitário Internacional Uninter.