Imóveis em nome da empresa podem gerar disputa sem regras claras




Muitas empresas que mantêm imóveis operacionais ou comerciais em nome de holdings familiares estão enfrentando dificuldades para crescer ou passar o controle para as próximas gerações. O motivo é a falta de planejamento e de regras claras nos contratos sociais e acordos sobre como lidar com esses bens. Quando a estrutura da empresa não está bem definida, os imóveis acabam virando foco de brigas entre sócios e herdeiros, o que pode travar negociações, gerar bloqueios judiciais e até atrapalhar a busca por crédito.

Segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), quatro em cada 10 empresas brasileiras podem não sobreviver até 2030 por não terem um plano sucessório bem feito. E boa parte dos conflitos vem justamente da falta de organização nas holdings criadas para cuidar dos imóveis da família ou do grupo empresarial.

Observo que, em muitos casos, as holdings patrimoniais são estruturadas com foco em benefícios fiscais, mas sem a devida atenção aos aspectos jurídicos, operacionais e sucessórios envolvidos. Isso pode gerar insegurança no médio e longo prazo. Os equívocos mais recorrentes na estruturação jurídica de holdings patrimoniais destinadas à gestão de imóveis empresariais decorrem, em grande parte, da ausência de um planejamento jurídico e contábil integrado, capaz de assegurar a coerência entre a finalidade econômica do empreendimento e a sua conformidade legal.

Esse tipo de conflito também tem pressionado o Judiciário. A criação da 3ª Vara Empresarial e de Conflitos Relacionados à Arbitragem da Comarca de São Paulo, especializada em disputas entre sócios e temas societários complexos, reflete a necessidade de um olhar técnico sobre essas questões. Na prática, essa especialização muda o jogo para empresas com estruturas societárias mal definidas. Juízes com formação técnica passam a analisar as causas com muito mais profundidade e precisão, identificando inconsistências contratuais, omissões em atas e fragilidades de governança que antes poderiam passar despercebidas.

Papel de compliance:

Nesse contexto, o compliance se torna um dos pilares para garantir a segurança patrimonial. Lucile destaca que a holding deve manter registros contábeis regulares, formalizar decisões em atas ou reuniões de sócios e adotar práticas de compliance e segregação patrimonial, sob pena de caracterizar desvio de objeto. A existência de mecanismos internos de controle e conformidade evita desvios de finalidade, fortalece a autonomia patrimonial da empresa e assegura maior previsibilidade em processos de sucessão e reorganização societária.

Ainda conforme a advogada, a especialização das varas empresariais tem provocado uma elevação significativa do padrão técnico exigido nos processos que envolvem sociedades empresárias. Hoje, vemos juízes cada vez mais atentos à regularidade dos contratos sociais, à consistência dos acordos de sócios e à formalidade das atas de assembleia. Nesse sentido, empresas que adotam boas práticas de compliance e governança têm maior resiliência em disputas judiciais e um diferencial competitivo relevante.

Cito como exemplo um caso comum a morte de um sócio sem previsão de regras claras sobre a sucessão societária, a administração ou o ingresso de herdeiros pode gerar bloqueio operacional, disputas familiares e paralisia da gestão patrimonial, justamente o oposto do que se espera de uma holding bem estruturada.

As empresas familiares costumam ser as mais afetadas, a especialista destaca. Muita gente ainda administra essas estruturas com base na confiança pessoal, sem contrato atualizado nem regras de sucessão. Isso acaba virando um problema quando surgem desacordos ou quando alguém precisa sair ou vender sua parte.

A boa notícia é que há formas jurídicas eficazes para reduzir os riscos patrimoniais, recomendo a adoção de instrumentos como acordos de quotistas (que definem regras de voto, preferência e sucessão), cláusulas de tag along e drag along (relacionadas à venda de participações) e protocolos familiares (com diretrizes sobre sucessão e atuação de herdeiros). Reforço que a blindagem patrimonial não deve ser confundida com rigidez. O objetivo da blindagem não é a imobilização do patrimônio, mas a sua organização racional e a segregação de riscos, conforme o princípio da autonomia patrimonial previsto no art. 49-A do Código Civil.

Chamo atenção para a contabilidade como um ponto muitas vezes esquecido. Explico que manter os registros em dia e as demonstrações financeiras organizadas ajuda a empresa a se proteger em eventuais disputas. A ausência de escrituração regular e demonstrações financeiras idôneas enfraquece a presunção de boa-fé e dificulta a defesa da autonomia patrimonial da holding em eventual litígio judicial ou fiscal.


Fonte: Lucile Kirsten - advogada do escritório Ciscato Advogados Associados.