O Brasil enfrenta uma dependência tecnológica crítica em relação aos Estados Unidos, com impactos profundos sobre sua soberania digital. A maior parte da infraestrutura digital brasileira — desde redes sociais até sistemas de comunicação, autenticação, bancos de dados e serviços públicos — está sob controle de empresas norte-americanas como Meta, Google, Microsoft e Amazon.
Essas corporações estão sujeitas à legislação dos EUA, o que permite ao governo americano intervir diretamente no acesso e funcionamento desses serviços em qualquer parte do mundo, inclusive no Brasil. Leis como o CLOUD Act, a FISA e o IEEPA garantem ao Estado norte-americano o poder de exigir dados ou bloquear o funcionamento de plataformas por motivos estratégicos, de segurança ou por simples decisão política.
A vulnerabilidade brasileira não se limita à comunicação. O país também é altamente dependente do sistema de geolocalização GPS, que é operado pelos EUA. Esse sinal é essencial para o funcionamento de infraestruturas críticas, como redes elétricas, telecomunicações e sistemas industriais. Sem o GPS, falhas em cadeia podem ocorrer: desde a desincronização de logs e certificados digitais até a falha de autenticações, firewalls e controle de acesso em redes corporativas.
A maioria dos sistemas instalados no Brasil não está preparada para migrar automaticamente para outras fontes de tempo, como os sistemas Galileo ou BeiDou, e também não conta com redundância robusta baseada em servidores NTP locais ou relógios de alta precisão. A perda do sinal, seja por bloqueio, ataque ou falha, comprometeria diretamente a segurança cibernética nacional e a continuidade operacional de setores estratégicos.
A situação se agrava com a centralidade que redes sociais como WhatsApp, Instagram e Facebook adquiriram na vida brasileira. Elas não são mais apenas plataformas de lazer, mas sim ferramentas de trabalho, atendimento, relacionamento institucional, vendas e prestação de serviços. Milhares de empresas, órgãos públicos e instituições dependem dessas redes para operar.
Caso houvesse um bloqueio geopolítico ou uma ordem governamental dos EUA suspendendo essas plataformas no Brasil, o impacto seria imediato: interrupção de comunicações essenciais, prejuízos econômicos e colapso informacional. Muitos sistemas corporativos utilizam o chamado login social — autenticação via contas Google, Facebook ou LinkedIn — para permitir o acesso de usuários a ambientes de negócios, ensino ou suporte técnico. Um corte no acesso dessas contas tornaria muitos desses sistemas inacessíveis, afetando diretamente colaboradores, clientes e fornecedores.
Outro ponto crítico é a dependência brasileira das chamadas “nuvens norte-americanas” — Amazon Web Services, Microsoft Azure, Google Cloud e Oracle Cloud. Essas plataformas hospedam desde sistemas de gestão pública até operações essenciais de empresas privadas. Servidores, bancos de dados, aplicações de segurança, CRMs, plataformas de vendas e até painéis de controle de infraestrutura energética operam em nuvem.
Um bloqueio ou suspensão desses serviços, seja por decisão unilateral dos provedores ou como consequência de tensões políticas, poderia gerar uma paralisação generalizada de sistemas. Órgãos públicos, hospitais, empresas de logística e instituições financeiras seriam diretamente afetados, com prejuízos econômicos, sociais e jurídicos incalculáveis.
Diante de um cenário tão vulnerável, torna-se urgente o desenvolvimento de uma estratégia nacional de soberania digital. O Brasil precisa criar políticas públicas que incentivem a formação de uma infraestrutura digital própria e resiliente, incluindo sistemas de autenticação nacionais, redes sociais desenvolvidas internamente, data centers soberanos e alternativas aos sistemas de tempo e nuvem atualmente concentrados em jurisdições estrangeiras.
Também é necessário fortalecer a educação digital, ampliar o uso de software livre, adotar criptografia nacional e diversificar fornecedores, especialmente em áreas críticas. Empresas devem mapear seus riscos e estabelecer planos de contingência claros, prevendo interrupções em sistemas de autenticação, comunicação e armazenamento em nuvem.
A soberania nacional no século XXI não se limita à defesa territorial — ela inclui a capacidade de operar, comunicar, proteger dados e tomar decisões de forma autônoma em ambientes digitais. Hoje, o Brasil está exposto a riscos sistêmicos que podem ser ativados por pressões externas, com consequências severas para a economia e a segurança. Para evitar que uma desconexão forçada se torne uma arma viável contra o país, é imprescindível assumir o controle da infraestrutura digital nacional e tratá-la como um ativo estratégico da nação.
A construção dessa autonomia é um passo fundamental para garantir a continuidade das operações, a proteção das instituições e a resiliência da sociedade brasileira diante de qualquer cenário geopolítico.
Fonte: Marcelo Branquinho - CEO e fundador da TI Safe, uma empresa especializada em segurança cibernética para infraestruturas críticas. Graduado em Engenharia Elétrica, Branquinho é especialista em segurança de sistemas SCADA e membro da International Society of Automation (ISA).