Tribunal de Turim questiona a legitimidade da nova lei na Corte

        


A nova lei da Cidadania Italiana, promulgada em 23/05, já começa a ser questionada em 1ª instância na Itália. Há cerca de um mês de sua vigência, na última quarta-feira, 24/06, o juiz Fabrizio Alessandria, do Tribunal de Turim, acatou os argumentos dos advogados de um ítalo-descendente, considerando legítima a arguição de inconstitucionalidade, quanto à retroatividade da restrição geracional, para o reconhecimento da cidadania. Assim, suspendeu o processo e o submeteu para a apreciação da Corte Constitucional, instância máxima da ordem jurídica italiana.

O Juiz entendeu que havia fundamentos suficientes, para a contestação da constitucionalidade da nova lei. É extraordinária a rapidez com que isso aconteceu. Acreditamos que juízes de outros tribunais passarão a seguir o mesmo procedimento. Em escala, os juízes passarão a postergar as audiências, aguardando a manifestação da Corte Constitucional”, opina o jurista. Defino o decreto que originou a nova lei como “um ato politicamente cínico, juridicamente frágil e constitucionalmente questionável.

- Direito é imprescritível e transmissível sem limites de geração:
                                  

Um dos maiores especialistas em cidadania italiana em atividade no país (tendo assessorado mais de 30 mil pessoas em processos de reconhecimento de cidadania). Aponto que a nova lei revoga direitos fundamentais, infringindo artigos da Constituição da Itália, reforçando assim a tese de inconstitucionalidade. A cidadania italiana não é uma concessão gentil do Estado. É um direito originário, fundamental, imprescritível e transmissível sem limites de geração, salvo prova em contrário.

O novo texto também contraria até mesmo artigos de tratados internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) e fere a lei Geral da Itália, preliminar ao Código Civil Italiano.

- Pacificação da via materna gera otimismo entre especialistas:

Nesse novo contexto, o jurista explica que a via judicial, passa a ser a única alternativa para a maioria de ítalo-descendentes, na busca pelo legítimo reconhecimento de sua cidadania. Anteriormente, o crescente número de processos judiciais era motivado pela demora no prazo das filas consulares. Agora, o objeto é a inconstitucionalidade da lei.

Demonstro otimismo no restabelecimento da ordem jurídica. Assim como seus pares, faz um paralelo com a polêmica da via materna. “A via judicial já foi utilizada com êxito, para o reconhecimento da cidadania italiana por via materna. O Legislativo insistia em manter restrições inconstitucionais, baseado numa lei anterior à Constituição de 1948, que determinava que, somente homens poderiam transmitir a cidadania aos filhos.

A Corte Constitucional declarou a inconstitucionalidade dos artigos discriminatórios da lei. Posteriormente, a Corte de Cassação introduziu um novo conceito sobre os efeitos retroativos da declaratória de inconstitucionalidade de leis anteriores à constituição. Em 2009, a jurisprudência foi consolidada, pacificando a questão.

Adianto que os processos ajuizados pela assessoria terão petições muito bem fundamentadas, baseadas nos princípios da Constituição e da Corte Europeia, enriquecidas por pareceres de grandes constitucionalistas italianos. “Acreditamos que a ordem jurídica será restabelecida, com o respeito aos direitos fundamentais dos descendentes e declaração de inconstitucionalidade das disposições da nova lei, pela Corte Constitucional”, conclui o jurista.

- Próximos passos:

A Corte Constitucional vai analisar se a nova lei da cidadania italiana está em conformidade com os princípios constitucionais. Assim como o Tribunal de Turim, outros tribunais de primeira instância tendem a postergar as novas audiências, enquanto aguardam o posicionamento da Corte. A medida, além de fortalecer a urgência para o debate da matéria, também evita que os pedidos sejam indeferidos.

Não existe prazo determinado para uma audiência sobre o tema. Como a expectativa é de que outros juízes levantem a questão da inconstitucionalidade, é possível que o assunto tome uma dimensão relevante, provocando a urgência. A própria Corte tem um histórico de agilidade ao abordar o tema. Recentemente (em 24/06), realizou uma audiência para discutir a inconstitucionalidade da lei 91/1992. A questão foi levantada em Novembro, pelo Tribunal de Bolonha. Ou seja, em cerca de seis meses, já houve o debate.

- O que pode acontecer?

A decisão da Corte Constitucional pode ter impactos significativos, como:

– Adequação Legislativa: Caso a Corte Constitucional reconheça a inconstitucionalidade da norma, poderá instar o Parlamento e o Governo a promoverem a revisão ou revogação da legislação vigente, para adequá-la aos preceitos constitucionais, especialmente no que tange à irretroatividade da lei e ao princípio da continuidade do ‘status civitatis’.

– Efeito vinculante e criação de precedente: A decisão da Corte terá efeito vinculante ‘erga omnes’, consolidando um precedente que deverá ser observado pelos tribunais ordinários e administrativos em casos futuros. Isso poderá impactar diretamente os ítalo-descendentes que tiveram seus pedidos protocolados ou planejados após a entrada em vigor da nova norma.

– Repercussão internacional: Considerando a dimensão da diáspora italiana, sobretudo em países como Brasil e Argentina, uma eventual declaração de inconstitucionalidade poderá restaurar ou assegurar o acesso à cidadania iure sanguinis a milhões de descendentes. Por outro lado, poderá gerar a necessidade de reanálise de processos eventualmente indeferidos com base na nova lei, exigindo coordenação administrativa e diplomática entre o Estado italiano e os países com grande número de requerentes.
                           


- O quê é a Corte Constitucional:

A Corte Constitucional Italiana é a instância máxima de proteção e interpretação da Constituição do país. Criada em 1956, sua principal função é garantir que todas as leis e atos normativos respeitem os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição de 1948. Ela é composta por 15 juízes, indicados de forma equilibrada pelos poderes do Estado – cinco nomeados pelo Presidente da República, cinco pelo Parlamento e cinco pelos órgãos superiores da magistratura. 

A Corte atua como guardiã da supremacia constitucional. Seu mandato é de 9 anos, e seus membros são escolhidos entre juristas renomados, como magistrados, professores de Direito ou advogados de destaque.


                       


Fonte: David Manzini - jurista italiano, CEO e fundador da Nostrali Cidadania Italiana.