A entrada das empresas no mercado de criptoativos não pode mais ser tratada como exceção, pois, na verdade, trata-se de um fenômeno estrutural em crescimento, impulsionado por eventos decisivos como a aprovação dos ETFs spot nos Estados Unidos em 2024.
O movimento iniciado pela Strategy (antiga MicroStrategy) em 2020 se espalhou rapidamente entre companhias de diferentes setores e portes. Atualmente, a discussão deixou de ser sobre a validade do investimento corporativo em Bitcoin, passando a girar em torno de como estruturar essa exposição com responsabilidade.
Segundo o Bitcoin Treasuries, mais de 3,39 milhões de bitcoins estão atualmente sob custódia de empresas públicas, privadas, fundos e governos, cerca de 16% de toda a oferta circulante. Apenas os ETFs norte-americanos absorveram mais de 120 bilhões de dólares desde seu lançamento, o que representa um deslocamento histórico de capital dentro da indústria financeira.
Esse cenário reflete uma mudança silenciosa, porém profunda, na forma como as empresas gerenciam seus balanços. O modelo tradicional de tesouraria, pautado por caixa estagnado e aplicações com retorno inferior à inflação, vem sendo substituído por estratégias voltadas à preservação de valor e à diversificação patrimonial.
Empresas como MetaPlanet, Block, Tesla, Mercado Livre e Coinbase já incorporaram o Bitcoin em sua estrutura financeira, com níveis distintos de exposição. Algumas, como a própria Strategy, adotaram posturas mais agressivas, chegando a emitir dívida e ações para ampliar suas posições no ativo. Outras mantêm abordagens mais conservadoras, utilizando o Bitcoin como reserva de valor parcial ou como alternativa de caixa diante de cenários inflacionários.
Apesar da legitimidade da tendência, é preciso reconhecer os exageros. Algumas companhias utilizam o Bitcoin como ferramenta de marketing, buscando atrair capital ou impulsionar ações sem apresentar diretrizes claras de gestão de risco ou governança. Isso gera ruído no mercado e dificulta a distinção entre estratégias sólidas e movimentos puramente oportunistas.
Nem toda empresa que compra Bitcoin representa um investimento confiável, e a falta de critérios técnicos pode comprometer a sustentabilidade dessas iniciativas. O desafio atual está em separar os casos com estratégia, alinhamento e visão de longo prazo daqueles que apenas exploram a narrativa para gerar visibilidade.
Portanto, com a mudança dos incentivos contábeis, a queda do estigma regulatório e a crescente adesão institucional, o cenário aponta para o nascimento de uma nova arquitetura financeira corporativa. Essa estrutura tende a ser mais descentralizada, resiliente e adaptada aos desafios do mundo contemporâneo.
Para que a transformação ocorra de forma segura, será essencial consolidar boas práticas, garantir transparência e fortalecer a governança das empresas que integram criptoativos em suas tesourarias.
Consultorias especializadas no mercado de criptoativos têm desempenhado um papel relevante nesse contexto, ajudando companhias a estruturar sua exposição a ativos digitais com responsabilidade, visão estratégica e foco em gestão de risco. A tendência é legítima, mas seu sucesso depende da maturidade com que o mercado saberá filtrar sinais concretos em meio ao excesso de ruído.
Fonte: Felipe Mendes - CEO da Altside, consultoria de investimentos especializada no mercado de criptoativos.