Estamos vivendo um cenário de alta da SELIC desde setembro de 2024, e taxas de juros altas significam um alto retorno nominal mesmo em investimentos de baixo risco (geralmente na renda fixa). Com retornos tão favoráveis a risco quase nulo, é de esperar que investidores tendam a alocar seu capital em títulos públicos ou comprando títulos de dívida de bons pagadores como, por exemplo, CDBs de grandes bancos.
E como isso impacta no ambiente de inovação e tecnologia do país? Mesmo que gestoras de venture capital e private equity - os motores por trás da alavancagem de grande parte dos negócios inovadores e escaláveis - tenham teses de ultra risco, eles têm sócios-cotistas (os chamados LPs, limited partners) que não são alheios a essa mentalidade e, por consequência, podem resgatar capital ou se recusar a aumentar o capital dos fundos via novos aportes. É de se esperar que até mesmo os investidores mais arrojados acabem fraquejando conforme os ciclos de mercado.
Teses de venture capital seguem uma power law onde aproximadamente 10% dos investimentos - aquelas empresas que crescem em velocidades absurdas - geram 80% a 90% dos retornos dos fundos. O resto “anda de lado”, dando retornos modestos, ou vira poeira. E, por isso, gestoras de venture capital precisam manter um dealflow muito movimentado, com investimentos frequentes e, muitas vezes, follow-ons (aportes consecutivos) até que um investimento dê resultado. Logo, o resgate de investidores/LPs ou falta de novos aportes pode ter impacto direto no sucesso de uma empresa investida que precise de mais capital; ou simplesmente pode impedir que o fundo diversifique seu portfólio investindo em novas startups (o que aumenta as chances de retorno).
Quando se fala em taxa de juros, também temos que pensar no spread (diferença entre países). Recentemente, aconteceu um crash no mercado japonês e global porque eles subiram a taxa de juros do país e o juro real passou a ser positivo pela primeira vez em décadas. Por que isso? Porque investidores do mundo inteiro se alavancavam tomando dívida no Japão a juros baixos e emprestando a juros altos em outros países (chamado de carry trade), como Brasil. Óbvio que esse tipo de operação corre risco cambial, senão seria garantia de retorno positivo sempre, e não existiria mercado.
Os investidores que ousam colocar dinheiro em fundos de venture capital e private equity geralmente têm muito patrimônio, porque tais fundos exigem valores mínimos de aporte relativamente altos. Afinal, quem não tem 1 milhão de dólares sobrando não aposta em ultra risco, porque esse dinheiro pode virar pó. Sendo assim, investidores desse perfil geralmente são qualificados ou tem pessoal profissional contratado para gerir o seu dinheiro, e essas pessoas têm acesso a mercados internacionais.
Vamos olhar a tendência atual, por exemplo, nos EUA, que são o maior mercado de capitais do mundo. O FED (Federal Reserve), Banco Central dos EUA, por exemplo, vem reduzindo a taxa de juros desde agosto de 2024, e mantendo-a estável nos últimos meses. Enquanto isso, o Banco Central brasileiro tem subido a SELIC em toda reunião desde setembro de 2024. Resultado: aumentou o spread, o que só incentiva o investidor que tem dólar a tomar dinheiro nos EUA e emprestar no Brasil; mas não para uma startup, para um banco ou empresa grande, onde o risco de calote é muito menor. Considerando que o dólar se manteve relativamente estável na média do último ano frente ao real, o impacto cambial é insignificante.
Para fechar o raciocínio, o impacto disso é que empresas com teses incríveis e inovadoras acabam ficando sem capital e não estimulam a economia produtiva, deixando de gerar empregos e tecnologia. É difícil mensurar, mas dando uma ideia sobre a economia dos EUA entre 1986 e 1995: estima-se que um aumento de 0.075% na contribuição de venture capital no GDP (PIB, produto interno bruto) americano reduziu o desemprego em 0.25% no curto prazo e entre 0.9% e 2.5% no longo.
Em um país com média histórica de 5.68% de desemprego (desde 1948 até hoje), isso representa de 16% a 44% do total de desemprego médio no país. Óbvio que a economia americana é muito mais líquida e propensa a risco do que a brasileira, então os impactos aqui não seriam iguais, mas vale pensar em quanta riqueza não deixamos de produzir para cada 0.25% que o COPOM aumenta da SELIC para frear a inflação gerada por irresponsabilidade fiscal do governo.
A saída? Talvez captar dinheiro nos EUA, aproveitando que a taxa de juros lá caiu. Só que isso exige uma tese ou modelo de negócios com potencial global - ou, no mínimo, com addressable market grande nos EUA -, senão o gestor de venture capital vai olhar para o spread da taxa de juros e vetar uma tese exclusivamente brasileira na hora. Afinal, como ele vai justificar para os LPs do fundo que pegou o dinheiro deles para alocar em uma tese que vai dar um retorno menor do que simplesmente fazer carry trade entre EUA e Brasil? Tempos difíceis para o empreendedor brasileiro.
A saída? Talvez captar dinheiro nos EUA, aproveitando que a taxa de juros lá caiu. Só que isso exige uma tese ou modelo de negócios com potencial global - ou, no mínimo, com addressable market grande nos EUA -, senão o gestor de venture capital vai olhar para o spread da taxa de juros e vetar uma tese exclusivamente brasileira na hora. Afinal, como ele vai justificar para os LPs do fundo que pegou o dinheiro deles para alocar em uma tese que vai dar um retorno menor do que simplesmente fazer carry trade entre EUA e Brasil? Tempos difíceis para o empreendedor brasileiro.