Onde começam os juros abusivos?




A imagem do brasileiro se sustenta em valores positivos, mas, infelizmente, também negativos. Paralelamente ao arquétipo do povo feliz, pacífico, que ama futebol e carnaval, também somos desenhados por nós mesmos como uma nação que gosta de enfrentar filas e de levar vantagem em tudo, como já polemizara a Lei de Gerson num controverso comercial de cigarros dos anos 70.

Seguindo essas máximas, que naturalmente são falaciosas, poderíamos também sugerir que somos todos apaixonados por juros altos (para consumo, não para investimentos). A bem da verdade, não gostamos, mas é inevitável dizer o quanto ele se faz presente no nosso dia a dia. Um levantamento recente do site MoneYou mostrou que o Brasil permanece em segundo lugar no ranking dos países com as maiores taxas reais do mundo. No nosso caso, a taxa é de 6,79% ao ano. Estamos atrás somente da Rússia, onde esse percentual alcança os 8,91%.

Isto, é claro, ajuda a promover uma cultura nefasta que corre às margens da taxa de juros, que é a prática de juros abusivos. Talvez a maioria das pessoas logo associe com os juros do cartão de crédito, cujos índices superam os 800% ao ano. Mas esses absurdos também são vistos em financiamentos de veículos e de imóveis, em contratos de créditos consignados e em créditos pessoais.

Estes são apenas alguns exemplos da teia de juros sanguinários encontrados no mercado. Aliás, aplicá-los é algo tão recorrente que obriga o próprio Código de Defesa do Consumidor (CDC) a regulamentar os limites para o que se pode considerar um juro dentro do aceitável. O Art. 51 do CDC simplesmente anula cláusulas contratuais que “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”, como se coloca no Inciso IV.

Na prática, isto implica uma regulação às transações comerciais estabelecidas entre o fornecedor do produto ou serviço e o consumidor, mediante imposições contratuais. Por isso, a lei funciona como uma proteção contra a desvantagem exagerada que signifique um desequilíbrio contratual que exceda os riscos de prejuízos ao consumidor. A força da lei faz-se ainda mais relevante nessas circunstâncias porque a prática de juros acentuados não apenas é injusta e um ato de má-fé como também é nociva à economia de modo geral.

Não é tão difícil encontrar casos assim, mas a justiça brasileira costuma ser enérgica contra organizações financeiras que aplicam juros significativamente superiores à média do mercado, fugindo daquilo que se pode identificar no contexto econômico e da própria razoabilidade comercial. Por isso, é importante que o consumidor recorra aos caminhos legais capazes de coibir a prática de adoção de juros abusivos.

Um desses caminhos é o Procon, o órgão legítimo de proteção ao consumidor. Mas há também a possibilidade de resolução direta do problema, por meio de negociação com a empresa, ou, em último caso, através de ação judicial. Em ambos os casos, é essencial que o cliente esteja amparado por profissionais do direito especializados nesse tipo de conflito.

É preciso ter em vista que uma relação comercial saudável consiste na prevalência de valores que devem ser recíprocos por todas as partes envolvidas, como a boa-fé, a equidade, a transparência, o respeito aos direitos, a legalidade, a responsabilidade e a confidencialidade. Alcançar todas essas prerrogativas torna-se imperioso à medida em que se tem em conta que o papel dos juros não é de inviabilizar as obrigações do consumidor. Algo que, claramente, não é compreendida por toda a parcela do mercado.



                                                     


Fonte: Dr. Matheus Bessa - sócio do escritório de advocacia Grossi & Bessa Advogados