O processo de despoluição e tratamento de rios urbanos




As principais cidades do mundo se desenvolveram em torno de um rio, tais como Cairo às margens do rio Nilo, Londres às margens do rio Tâmisa e Paris às margens do rio Sena. Mas a mesma população que foi atraída para a beira desses rios pelo fácil acesso à água, transporte e lazer, também levou uma série de problemas até eles, especialmente a poluição.

Existem no mundo diversos casos de sucesso de revitalização de rios tais como os rios Sena (França), Tâmisa (Inglaterra), Tejo (Portugal), Reno (Suiça), Cheonggyecheo (Korea do Sul) e Cuyahoga (EUA). Os benefícios da revitalização de rios são inúmeros tais como cidades mais bonitas e humanas, melhoria de qualidade da região de suas margens, habitat para animais aquáticos, navegação, parques lineares de lazer e recreação ao longo do rio, valorização imobiliária e maior arrecadação do poder público (devido a maiores investimentos).

A revitalização de rios que vai de encontro ao novo marco regulatório do saneamento básico, Lei 14.026, que busca a universalização dos serviços de coleta e tratamento de esgotos até 2033 - e aos objetivos do desenvolvimento sustentável da ONU (ODS), que tem como compromisso universalizar o saneamento básico até 2030.

Lamentavelmente, o saneamento no Brasil está muito longe de estar integralmente implantado, principalmente para aqueles que vivem em pequenos municípios. Isto se dá pela má gestão dos recursos hídricos existentes (não sabemos preservar nossos recursos hídricos superficiais e subterrâneos), e pelo elevado custo de implantação de infraestrutura e dos custos operacionais inerentes às soluções de saneamento tradicionais.

Uma forma sendo estudada (viabilidade construtiva, vantagens e limitações) para a implantação de soluções sustentáveis e econômicas para o tratamento de efluentes sanitários no Brasil para pequenas cidades (com áreas extensas) é o uso de wetlands construídas, sistemas de tratamento de água com o objetivo de simular artificialmente os ecossistemas naturais de lagoas, geralmente representados por canais rasos. 

Este sistema apresenta uma boa capacidade de filtração de impurezas, garantindo água de boa qualidade a custos operacionais e de implantação reduzidos. Adicionalmente, estes sistemas servem como áreas de controle de erosão, lazer e habitat para animais aquáticos. Este sistema de saneamento possui um histórico de aplicação em países variados, das florestas temperadas na Alemanha e França até os climas áridos do Arizona e Paquistão.

O Governo do Estado de São Paulo está empreendendo um importante esforço visando a despoluição do rio Pinheiros com a participação da iniciativa privada. O canal Pinheiros (com 26 km de extensão desde a barragem de Pedreira até a confluência com o rio Tietê) é um curso de água de baixa vazão em tempo seco com um comportamento hidrodinâmico misto variando de lêntico (situação caracterizada por águas estagnadas) para lótico (águas em movimento) quando da reversão das águas do canal por ocasião das grandes chuvas, em conformidade com a legislação. 

Nos últimos 30 anos, a paisagem do rio Pinheiros foi marcada por garrafas plásticas, resíduo orgânico, pneus e até móveis despejados na água. Pela ausência de saneamento básico, o odor característico do rio Pinheiros era de esgoto.

Com investimento de R$ 1,7 bilhões da Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp), a revitalização do Rio Pinheiros é considerada o principal projeto urbanístico dos últimos anos no estado e já apresenta alguns resultados para a cidade, que incluem: 

(i) redução do esgoto lançado em seus afluentes (conexão de mais de 649 mil imóveis à rede de esgoto - bem acima dos 532 mil imóveis inicialmente previstos) que beneficia uma população adicional de aproximadamente 1,9 milhões de habitantes (aproximadamente a população de Barcelona); 

(ii) aumento do lixo removido; 

(iii) melhoria do odor existente; 

(iv) retorno parcial da vida aquática; 

(v) volta da população às suas margens por meio da recuperação ambiental e paisagística do seu entorno (as margens do rio Pinheiros ganharam 8,1 quilômetros de ciclovia e outros 8,9 estão em obras) e; 

(vi) diversos novos importantes empreendimentos imobiliários.

O projeto inclui 277 km em novas tubulações, coletores e interceptores. O projeto remunera as empresas contratadas mediante resultados e eficiência (por exemplo, o projeto exige resultados de DBO abaixo de 30 mg/L) e participação e mobilização comunitária (projetos e comunicação com as comunidades). Como resultado do projeto, desde 2019 houve melhorias expressivas na qualidade dos efluentes.

Os investimentos para revitalizar o rio Pinheiros têm reflexos profundos na economia da cidade, mostrando que o poder público pode ser um poderoso indutor do desenvolvimento. Muito dos diversos benefícios de revitalização já estão quantificados. 

A conscientização e entendimento destes benefícios específicos induzem a replicação de novos projetos de revitalização como por exemplo a despoluição do rio Tietê.


Fonte: Rolando Gaal Vadas - docente na Escola de Engenharia Civil da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), especialista em saneamento básico e recursos hídricos.