Caminhos e desafios da ação climática no Brasil e na Europa




O clima já mudou e a luta para manter as alterações climáticas dentro de limites seguros para a humanidade está atraindo cada vez mais pessoas de todas as idades, crenças e origens. Uma pesquisa de campo inédita, feita por ativistas da causa, mapeou 38 iniciativas no Brasil e na Europa para entender o que tem sido feito por atores da sociedade civil. São iniciativas que visam acelerar a ação climática, fortalecer a resiliência das comunidades ou educar as pessoas sobre o assunto.

Os casos analisados são de movimentos organizados, espaços de convivência e artivismo. todos têm o desafio de unir pessoas em prol de uma ação comum e mantê-las engajadas na iniciativa por um longo intervalo de tempo. De maneira geral, as diferentes experiências comprovam a importância da ação presencial, porém potencializada por campanhas e comunicações digitais, em estratégias híbridas. Um dos exemplos mais conhecidos globalmente é o FridaysForFuture, que começou em 2015 na Suécia com uma ação da então adolescente Greta Thunberg e que hoje está em mais de 7.500 cidades e em todos os continentes. 

A constância dos encontros e o compartilhamento de imagens pelas redes sociais fez com que a ação ganhasse visibilidade e se tornasse referência. No norte do Brasil também surgem diversos coletivos jovens se organizando pela Amazônia e pelo clima, como o Instituto Mapinguari (foto abaixo) e o Utopia Negra.

O desafio da manutenção do engajamento das pessoas tem sido enfrentado com sucesso pelas iniciativas baseadas na arte, onde a presença favorece também uma imersão na experiência. É o caso de Antígona na Amazônia(uma peça em coprodução com o MST em circulação pela Europa) e o LUIT (Laboratório Urbano de Intervenções Temporárias), com a peça Manual de Adaptação do Planeta, em Paris, na França – duas das iniciativas analisadas na pesquisa. 

A arte também amplifica a mensagem ao ocupar diversos espaços, como museus, centros culturais e as ruas, chamando atenção de uma maneira mais criativa e mais sensível para aquilo que deve ser debatido pela sociedade. 

Alguns exemplos são o grupo de intervenção (Se)cura Humana, que debate o uso da água em São Paulo por meio de intervenções e performances e o labExperimental (foto abaixo), que mobilizou diversos coletivos no Brasil, na performance de pinturas no dia mundial dos rios.

             

Outra conclusão geral é a necessidade e a urgência de uma educação climática mais ampla e robusta para que todos possam participar do debate sobre a transição ecológica. Alguns casos avaliados abordam esse ponto diretamente. É o caso da Academia do Clima, em Paris, França, passando pelos projetos que dialogam com os sistemas naturais, como Marais Wiels e Floating University, respectivamente na Bélgica e na Alemanha. Em São Paulo, a Casa Ecoativa funciona como um centro cultural pelo clima, com foco no resgate da cultura da comunidade. Ele foi criado pela mobilização comunitária de jovens da Ilha do Bororé, no Grajaú, extremo sul da cidade, que fica à beira de um dos maiores e mais importantes reservatórios de água da Região Metropolitana. 

Um de seus frutos é “Na Ilha Agência Jovem de Notícias”, feita por estudantes do ensino médio da Escola Adrião Bernardes, que atua promovendo a conscientização socioambiental através da identificação, divulgação e criação de soluções para os problemas ambientais locais do bairro. O Condô Cultural também surge como um pólo comunitário de aprendizados de agroecologia e através da compostagem comunitária, já transformou 8 toneladas de resíduos orgânicos em adubo.

               


O Condô Cultural também ilustra outra conclusão do estudo: a necessidade de criar espaços de pertencimento e acolhimento para fomentar interações sociais e iniciativas de conscientização. Outro exemplo é o Chante de Cailles, em Bruxelas, Bélgica, onde a comunidade do entorno pode se sentir pertencente a um lugar de conexão com a terra e com seus vizinhos, fazendo uma reconexão com o imaginário climático. O projeto das Suraras do Tapajós, de Santarém, Pará, em que um grupo de mulheres indígenas representa a identidade e a resistência cultural de um povo que busca manter vivas suas raízes e a harmonia com a natureza, cumpre dois papéis: de ser um espaço de pertencimento e de estudar o passado. Esse é também o ponto de partida do Instituto Raoni, que nasceu para construir e preservar o legado do Cacique Raoni, além de trazer consigo cosmovisões que nos sugerem um futuro cunhado em valores ancestrais, de modo rever o modo de viver e respeitar os ciclos da natureza.

Ao estudar iniciativas europeias e brasileiras, os autores se depararam com a necessidade de decolonizar a ação climática por meio do fomento a ações conjuntas entre países desenvolvidos (colonizadores, norte global) e, portanto, estabilizados economicamente, e subdesenvolvidos (que foram colônias no passado/sul global). Um exemplo dessa troca é o projeto do Greenpeace Amsterdã na ilha de Bonaire, na América Central. 

Entre os casos avaliados há iniciativas que abordam o desafio dos refugiados climáticos, como o Top Manta, de Barcelona, na Espanha (foto abaixo), e o projeto KlimaKüche, do Zusammenleben, de Freiburg, na Alemanha. Como o número de migrantes está aumentando por causa da maior frequência e intensidade de eventos climáticos extremos, o tratamento para migrantes está se tornando uma pauta climática.

      

“Há uma grande diferença de foco quando comparamos a Europa com o Brasil. Embora globalmente a principal fonte dos gases que causam o efeito estufa seja a queima dos combustíveis fósseis, que é o principal alvo das ações na Europa, no Brasil as emissões derivam prioritariamente do desmatamento, queimadas e atividades agropecuárias”, explica Jonaya Castro, que coordenou o estudo. “Por isso aqui há uma atenção maior à conservação dos biomas, especialmente a floresta amazônica”, completa.

A pesquisa mostra também a eficácia de ações judiciais, apresentando dois casos bem sucedidos: o Caso do Clima, na Bélgica, e Senhoras pelo Clima, na Suíça (foto abaixo). E faz um alerta: precisamos proteger os defensores, já que o Brasil está em 4º lugar no ranking mundial de assassinatos de defensores dos direitos humanos e do meio ambiente, segundo relatório anual da Anistia Internacional, de 2023, feito em 156 países e territórios.


   


A seguir está a lista de organizações e iniciativas estudadas:

KlimaSeniorinnen - Zurique, Suíça
KlimaatZaak - Bélgica
FridaysForFuture - Global
Movimento Bem Viver - Brasil
Ende Gelände - Berlim, Alemanha
Top Manta - Barcelona, Espanha
Yili Rojas - Berlim, Alemanha
Greenpeace - Amsterdã, Holanda
Coletivo Martha Trindade - Rio de Janeiro, Brasil
Utopia Negra Amapaense - Macapá, Brasil
Instituto Mapinguari - Macapá, Brasil
Instituto Raoni - Mato Grosso, Brasil
Antígona na Amazônia - Brasil e Bélgica
Manual de Adaptação do Planeta - Itália, Bélgica e França
(Se)cura Humana - São Paulo, Brasil
labExperimental - Brasil
Suratas do Tapajós - Santarém - Brasil
Teatro do Eterno Agora - Stuttgart, Alemanha
Memorial ao avanço das mudanças climáticas
Repair Revolution! - Zurique, Suíça
Pimp My Carroça - São Paulo, Brasil
Bertha Foundation - Londres, Reino Unido
Academia do Clima - Paris, França
Casa Ecoativa - São Paulo, Brasil
Zusammen Leben - Freiburg, Alemanha
Marais Wiels - Bruxelas, Bélgica
Reocupa - São Luís do Maranhão, Brasil
Chante de Cailles - Bruxelas, Bélgica
Neckarinsel - Stuttgart, Alemanha
Floating University - Berlim, Alemanha
Condô Cultural - São Paulo, Brasil
Klima Pavillon - Zurique, Suíça
Instituto ZeroCem - Brasil
GSCC - Conselho Global de Comunicações Estratégicas - Global
Both Ends - Utrecht, Holanda
A Vida no Cerrado - Distrito Federal e Goiás, Brasil
MAB, Movimento dos Atingidos por Barragens, Brasil
Comitê Chico Mendes - Rio Branco, Brasil


Fonte: Izabela Sanchez Silva de Carvalho Nanni