O acordo histórico surge para fazer frente a um cenário desafiador. Segundo estudo de pesquisadores da Universidade da Califórnia, coordenado pelo biólogo Anthony Barnosky, se a humanidade mantiver o atual ritmo de exploração dos recursos naturais, entre 30% e 50% das espécies poderão desaparecer até meados do século 21. No oceano, por exemplo, estima-se que mais de 90% dos estoques de peixes e grandes mamíferos já foram esgotados.
A perda da biodiversidade significa muito mais que a extinção de plantas e animais. Não que isso já não seja motivo para rever nossas prioridades como sociedade, mas os riscos para a vida humana no curto prazo também tornam-se mais evidentes. Serviços ecossistêmicos como a polinização de culturas agrícolas, a água potável, o ar que respiramos, a proteção contra inundações, o solo produtivo e toda a regulação do clima estão envolvidos nessa equação.
Um dos destaques do acordo firmado no Canadá é a meta de preservar até 30% de áreas terrestres e regiões costeiras e marinhas até o final da década. Atualmente, a proteção alcança 17% do ambiente terrestre e apenas 8% da área marinha global. Outro grande acerto da COP 15 é o reconhecimento de que os povos indígenas e tradicionais são guardiões da biodiversidade e também precisam ser mais respeitados e valorizados.
O novo marco global reconhece ainda que não basta proteger somente áreas naturais bem conservadas. A meta é recuperar até 30% dos ecossistemas que estão degradados – tanto terrestres quanto marinhos. Até 2030, essas áreas devem estar restauradas ou com restauração em andamento. Estima-se que, a partir dessa meta, até 1 bilhão de hectares no mundo todo sejam restaurados.
Esse objetivo estratégico pode nos encorajar, inclusive, a direcionar mais investimentos para Soluções Baseadas na Natureza para enfrentar grandes desafios urbanos relacionados também às mudanças climáticas. Sistemas agroflorestais, pagamentos por serviços ecossistêmicos e outras inovações podem fortalecer modelos econômicos que conservem e recuperem nossos recursos naturais.
Contudo, ampliar as áreas protegidas não é o suficiente se continuarmos a estimular atividades danosas para a biodiversidade, que em geral ocorrem fora das áreas protegidas. Estudo publicado em 2022 pela ONG B Team, que reúne líderes empresariais e fundações internacionais, calculou em US$ 1,8 trilhão os subsídios globais a atividades econômicas que contribuem para a degradação de ecossistemas e destruição de espécies, envolvendo principalmente agricultura, pesca, combustíveis fósseis, extrativismo e exploração da água.
Estamos diante de uma oportunidade de redirecionar incentivos para fortalecer setores econômicos que têm impacto positivo para a biodiversidade. Com pesquisa, inovação, soluções integradas, cocriações e desenvolvimento de novos negócios será possível gerar oportunidades de trabalho e renda estimulando uma economia regenerativa. Essa pode ser uma incrível vantagem competitiva do Brasil, país com a mais rica biodiversidade do planeta.
O novo Marco Global da Biodiversidade também incentiva empresas de grande porte e instituições financeiras a avaliar, monitorar e relatar os riscos, dependências e impactos ambientais relacionados com a perda da biodiversidade. O acordo deve encorajar o setor privado a mapear melhor sua relação com a natureza e seus serviços ecossistêmicos necessários para manter suas operações, como o uso da água e outros recursos naturais que são essenciais para suas atividades, ampliando assim a relação de responsabilidade das empresas com o planeta.
Uma nova consciência empresarial é fundamental para fazer frente ao principal desafio do novo marco global: o financiamento. Apesar da importância de novos fundos internacionais para apoiar governos de países em desenvolvimento - outra conquista anunciada no Canadá -, sem o engajamento das empresas e do setor financeiro não será possível mudar o sentido desta história de degradação. Afinal, as empresas devem assumir que a natureza é a base para uma economia forte, capaz de gerar desenvolvimento com segurança e qualidade de vida.
Os biomas, florestas, nascentes, oceano, fauna e flora dependem desta nova consciência. O tempo está passando, mas ainda é tempo de colocar a biodiversidade no patamar de importância que ela tem para o nosso país e para toda a humanidade.
Fonte: Malu Nunes - diretora executiva da Fundação Grupo Boticário e membro da Rede de Especialistas em Conservação Natureza
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