Regulação bancária precisa ser aprimorada em relação à sustentabilidade

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Em um mundo que convive com a dupla crise do clima e da perda de biodiversidade, no qual episódios de desrespeito aos direitos humanos por parte de empresas, infelizmente, são recorrentes, é urgente a necessidade de ampliar a visão e incluir mais fortemente o setor bancário nessa discussão, especialmente na hora de conceder crédito e realizar investimentos.

Fortalecer a agenda socioambiental nas operações financiadas por bancos é uma tarefa complexa, mas totalmente factível, como explica Luciane Moessa, diretora da associação Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS). Segundo ela, o importante é agir com responsabilidade e profundidade, fazendo tudo que é possível ser feito e não adotando medidas superficiais e com pouca efetividade.

Alguns atores de mercado percebem isso com clareza e se antecipam a qualquer iniciativa de reguladores, mas são exceção. Para garantir que a atuação do mercado obedeça a padrões minimamente adequados de gestão de riscos socioambientais, que podem, inclusive, afetar os resultados financeiros, a atuação do regulador (no caso, o Banco Central do Brasil) é essencial.

É verdade que houve um avanço imenso em 2021 na definição de temas sociais, ambientais e climáticos, na previsão de critérios para classificação de riscos socioambientais, mas permanecem lacunas muito relevantes, como a falta de previsão mais clara de bases de dados mínimas a serem consultadas e o universo de transações a ser avaliado.

Luciane Moessa afirma, com base no levantamento recentemente realizado no Ranking da Atuação Socioambiental de instituições financeiras (RASA), também pela SIS, que um dos grandes pontos cegos é a fonte de informações para identificar riscos socioambientais e climáticos.

"A regulação brasileira não elenca as fontes. Assim, os bancos chegam a colocar temas em suas políticas para os quais eles não consultam qualquer fonte de informação, como o trabalho infantil. Para outros temas, como o desmatamento ilegal, eles consultam algo como 5% das fontes de informação disponíveis, se muito", afirma Luciane.

Outro problema é o universo da avaliação de riscos socioambientais. Muitas operações com setores de alto risco socioambiental não passam por avaliação mínima. Se forem de valor relativamente baixo ou com empresa de pequeno porte não passam por qualquer avaliação, ou seja, não se solicita nem o licenciamento ambiental.

Falha que ela aponta, nesse caso apenas para a regulação do crédito rural, é a restrição de determinadas exigências ambientais apenas ao bioma Amazônia, quando o desmatamento mais alto (em termos proporcionais) no Brasil atualmente ocorre em regiões do Cerrado (notadamente, na região conhecida como MATOPIBA). O Cerrado é considerado por cientistas o berço hídrico do país, tanto para abastecimento de água, quanto pela produção agrícola e, em grande medida, também pela produção de energia.

Ainda segundo ela, é possível perceber, a partir dos resultados do RASA, que os bancos, de modo geral (embora com exceções), não possuem clareza quanto ao perfil de risco socioambiental das empresas que integram as suas carteiras de crédito e de investimentos, já que muitas diligências realizadas se limitam ao crédito rural, sendo que há setores com riscos muito mais altos (como mineração e setores industriais) que não recebem qualquer atenção diferenciada.

Diante dos diversos pontos cegos encontrados na gestão de riscos socioambientais, fica claro que o setor bancário pode estar financiado diversas atividades envolvidas com infrações ambientais, como desmatamento ilegal, e sociais, violando direitos básicos de comunidades indígenas, por exemplo.

"É que não são regularmente consultadas bases de dados completas e confiáveis para todas as atividades econômicas que oferecem risco. A regulação bancária existente até agora não conseguiu alterar esse quadro, por isso, é preciso aprofundar e ampliar", explica.

Por esse motivo, a SIS vai publicar o estudo intitulado "Recomendações para fortalecimento da consideração de questões climáticas e socioambientais na regulação bancária brasileira", que será apresentado ao Banco Central do Brasil.

As recomendações são baseadas em dois grandes pontos de partida: a) o que já existe na regulação bancária brasileira nessa matéria e o impacto já produzido (ou não) por essa regulação no mercado bancário brasileiro; b) o que existe de regulação bancária nessa matéria nos demais países em que o tema foi abordado (27 países atualmente) e em que medida conteúdos dessas normas teriam utilidade no contexto brasileiro.


Forte atuação:

A diretora da associação Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS) tem longa experiência com a análise da atuação socioambiental do setor financeiro, tanto no Brasil como no exterior.

A SIS tem investido esforços para avaliar de forma objetiva como o setor lida com questões socioambientais no Brasil. Ao divulgar recentemente os resultados do RASA, em levantamento feito com dez instituições (os sete maiores bancos nacionais, os dois maiores bancos cooperativos (Sicoob e Sicredi) e o banco holandês Rabobank, considerado uma referência na agenda socioambiental, foi possível perceber o quanto o mercado bancário brasileiro ainda deixa a desejar.

De zero a 100, a maior pontuação alcançada foi 29 - e apenas dois pontuaram acima de 25. Os demais ficaram abaixo de 20 pontos considerando os diversos critérios de adesão à pauta sustentável, com foco nas carteiras de crédito e de investimentos, sem considerar ações filantrópicas ou os impactos diretos das agências e escritórios dos bancos.



Fonte: Katia Cardoso