É bom que o Banco Central seja autônomo?





Bom, antes de falar sobre esse tema tão polêmico que tem ganhado bastante foco recentemente, acho importante dar um passo atrás e falar sobre algo de extrema importância: Inflação! O que é inflação e como isso afeta a vida das pessoas?

Hoje, o principal índice para medir a inflação no Brasil é o IPCA, que é calculado pelo IBGE. Ele é importante para acompanhar em quanto está a inflação e também corrigir muitas aplicações.

Mas inflação é ruim? Depende! É importante para uma economia crescer que tenha alguma inflação, mas quando ela tem níveis altos o efeito é contrário e todo o poder de compra que as pessoas ganham vai embora. Resumindo: se um pais está crescendo e tem inflação positiva, mas sob controle, tudo bem! Na verdade, é o melhor cenário possível, pois o preço das coisas sobe menos do que a renda da população em média. Desse modo, todos na sociedade “saem ganhando”: famílias, empresas e governo.

Mas é importante que ela esteja sob controle. E como saber se a inflação está controlada? Todos os anos, o Conselho Monetário Nacional se reúne para definir a Meta da Inflação, como se fosse uma empresa que traça o objetivo de qual seria a variação ideal de preços nos próximos anos. Fazem parte do Conselho o Ministro da Economia, o Ministro do Planejamento e Orçamento e o Presidente do Banco Central.

Bom... isso explicado, por que é bom que o Banco Central seja autônomo?

O Banco Central (BC) é quem determina a taxa de juros que irá vigorar no país através da reunião do Copom, que é formada pelo presidente do BC e seus diretores. Se a inflação está alta, o BC precisa subir os juros para tentar conter o aumento de preços. Da mesma maneira, se estiver muito baixa, precisa baixar os juros para subir esse nível de preços. No fim, funciona como uma balança. Se a inflação está alta, os juros provavelmente também estarão altos para conter o consumo. Se a inflação está baixa, provavelmente os juros estarão baixos para tentar estimular o consumo.

Basicamente, se os juros estão altos, as pessoas consomem menos e a inflação tende a diminuir. O contrário também é verdade. Se os juros estão baixos, as pessoas consomem mais e a inflação tende a aumentar. Lembra que inflação demais é ruim para a economia né? Mas é necessário ter alguma inflação para garantir um crescimento sustentável. Um dos objetivos do BC é fazer o equilíbrio nessa balança para cumprir a meta definida de inflação. Isso significa que ele deve subir ou descer os juros na hora certa.

Nos últimos dois anos, tivemos um aumento expressivo da inflação no Brasil assim como na maioria dos outros países do mundo por conta da saída do confinamento da Covid-19. Dado esse cenário de inflação alta, o BC vem deixando os juros altos para que não ocorra um descontrole da inflação. Na prática, ele está deixando os juros altos para frear o consumo de empresas e famílias e tentar segurar a inflação, que já estourou a meta nos últimos 2 anos.

O Brasil, inclusive, saiu na frente de outros países por começar esse ciclo mais cedo, talvez sinal do aprendizado que já tivemos por termos um histórico recente de inflação alta, ao contrário de outros países na Europa e EUA.

Mas... e o que acontece se o BC errar a mão? Fazer esse equilíbrio é um trabalho extremamente técnico e subir ou descer os juros no momento errado pode gerar descontrole da inflação. Lembrando que o Brasil teve um período de descontrole de inflação por várias décadas até que o plano real em 1994 trouxe maior estabilidade e permitiu crescer de uma maneira mais sustentável.

E o que isso tem a ver com o BC ser ou não autônomo? Em 2021, foi aprovada uma lei que definiu que o BC não estava mais ligado ao Ministério da Economia e não teria mais uma subordinação hierárquica a ele. Na prática, ele passou a poder tomar as decisões sobre aumento ou queda de juros de forma técnica independente da vontade dos ministros e presidente. Além disso, a exoneração de um membro do BC pelo presidente da República só pode ocorrer por motivo de doença que incapacite para função, condenação que implique proibição de exercer cargos públicos ou comprovado e recorrente desempenho insuficiente.

A autonomia do BC impede que ocorra algum aumento ou queda de juros por algum viés político, o que ocorria muito no passado e pode gerar descontrole da inflação. O próprio BC afirmou em nota de 2021 que uma das principais razões para a autonomia do Banco Central é separar o ciclo político do ciclo de política monetária.

No ano passado, tivemos uma mudança no ciclo político do Brasil, mas o ciclo monetário ainda está em andamento. A inflação ainda está fora da meta 2023 e correndo o risco de estourar 2024. A pesquisa Focus (6/2/2023) mostra expectativas hoje para o IPCA de 2023 em 5,78% sendo que a meta é 3,93% para 2024, e a meta seria 3,25% para cada ano com tolerância de 1,5% para cima ou para baixo.

Imagine no longo prazo se sempre que tivermos uma mudança de quem está na cadeira da presidência ou ministérios também tivermos que mudar a política monetária? Ou pior, imagine se quem está à frente do Brasil tiver poder sobre quem sobe ou desce a taxa de juros, essa decisão poderia deixar de ser técnica e virar política.

Num momento como estamos, de inflação persistentemente alta, uma queda de juros poderia estimular o consumo que geraria mais inflação. E descontrole de inflação pode levar um país para o buraco. Já foi bem difícil fazer o plano real funcionar em 94, vale mesmo a pena correr esse tipo de risco de novo?

Sem controle de inflação, nenhum país consegue crescer de forma sustentada. Na prática, isso significa manter os empregos e renda conquistados no decorrer dos anos. A autonomia do BC é uma conquista que será boa para todos os brasileiros no longo prazo, separando a decisão política da decisão técnica. 

Não podemos correr o risco de que uma decisão técnica seja influenciada pela política. Até porque, senão seria fácil, todo governo quando assumisse era só dar uma canetada e baixar os juros. Mas e a inflação como ficaria? Não tem uma caneta para baixar essa...


Fonte: Apolo Duarte - planejador financeiro CFP®, sócio e head da mesa de renda variável da AVG Capital.