Alinhamento da tributação brasileira à OCDE será desafiador


A intenção do Brasil de se tornar membro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é tão clara quanto antiga. O engajamento iniciado em 1994 se intensificou ao longo dos anos, culminando na sinalização, em 25 de janeiro de 2022, de que o Conselho da OCDE iniciaria as discussões sobre a adesão do Brasil.

A adesão é o próximo passo lógico, considerando que o país já participa de 39 comitês, grupos de trabalho e forças tarefa da OCDE. Além disso, o país adere a 94 instrumentos legais da organização, com diretrizes sobre agricultura, medidas anticorrupção, desenvolvimento, educação, meio ambiente, finanças, indústria e serviços, ciência e tecnologia, tributação, comércio, entre outros.

Entretanto, a adesão não será uma tarefa simples: para isso, serão necessárias mudanças drásticas nos paradigmas tributários nacionais. Em especial, será essencial rever a tendência de o fisco de sempre buscar a interpretação que leve à maior tributação, a despeito dos compromissos internacionais firmados pelo país – prática claramente verificada na interpretação dada aos Acordos para Evitar a Dupla Tributação brasileiros.

Atualmente, há diferenças naturais entre os acordos brasileiros (os quais priorizam a tributação pelo país que paga o rendimento), e o modelo adotado pela OCDE (não tão protetivo dos regimes emergentes). Entretanto, a adequação formal do texto dos acordos não será o principal desafio, mas sim a interpretação dada a eles. Um exemplo clássico disso é a tributação na importação de serviços.

“Serviços simples” são geralmente sujeitos ao imposto de renda apenas no país do beneficiário. “Serviços técnicos”, por sua vez, podem estar sujeitos à retenção de imposto no país de origem. Em sua legislação doméstica, contudo, o Brasil define “serviço técnico” como aquele que depende de conhecimentos especializados. Ou seja, praticamente todos os serviços são vistos como técnicos pelo fisco brasileiro, e sujeitos à tributação aqui.

Tais tentativas de distorcer o texto dos acordos são extremamente danosas para as relações internacionais brasileiras e, por exemplo, levaram à denúncia do acordo internacional mantido com a Alemanha. Como membro da OCDE, este posicionamento brasileiro não é aceitável.

Outro grande desafio será a adaptação da legislação brasileira relativa a preços de transferência. Tais normas têm como objetivo evitar que grupos internacionais manipulem preços artificialmente para que seus lucros sejam alocados em países com menor tributação (em alguns casos, neutralizando toda a tributação).

É importante ressaltar que as normas brasileiras de preços de transferência foram estabelecidas em 1996, em um contexto econômico extremamente diferente do atual, e não tiveram atualizações relevantes desde então. A legislação brasileira ainda tem foco em operações envolvendo mercadorias, com muitas lacunas e poucas disposições relacionadas, por exemplo, a serviços – quanto mais a operações digitais.

Por outro lado, as normas da OCDE foram frequentemente atualizadas (de maneira muito relevante no final da última década), com alterações que abarcam o contexto econômico global atual. Apesar de relativamente mais complexas, a padronização das regras deve trazer segurança jurídica internacional, possibilitando que investimentos sejam feitos no Brasil com maior previsibilidade e segurança.

Finalmente, um dos desafios mais complexos será a adaptação na tributação sobre o consumo. O objetivo mais interessante é a criação de um imposto único, o qual substitua os inúmeros tributos brasileiros. Trata-se não apenas de questão arrecadatória, mas também de redução da imensa burocracia brasileira.

Espera-se que tais adaptações não apenas tenham consequências positivas do ponto de vista doméstico, mas que também façam com que o Brasil seja visto como país sério e competitivo no cenário internacional.


Fonte: Ariel Palmeira - advogado do Departamento Tributário da Andersen Ballão Advocacia.