O impacto ambiental da indústria têxtil e os caminhos possíveis


Como uma peça de roupa pode causar tanto impacto ambiental? Muitas vezes agimos no piloto automático ao comprar uma roupa ou calçado, desconhecendo todo o caminho que o produto percorreu para estar pronto para o uso. Além disso, são desconhecidos os males que aquela peça pode causar ao meio ambiente e até para o consumidor. 

Segundo a ABIT - Abit Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção, o Brasil é o quinto maior produtor têxtil do mundo com a confecção de peças de vestuário, meias e acessórios, cama, mesa e banho.

A produção têxtil está entre as indústrias com maior uso de produtos químicos do mundo. Para a fabricação de produtos têxteis, couro, vestuário e calçados são usados processos químicos agressivos. Diversos tipos de substâncias e formulações são utilizados e o resultado é um efluente carregado de substâncias tóxicas e danosas, que impactam o meio ambiente e a saúde humana.

É importante ter isso em conta, porque muita gente desconhece o quanto as roupas podem impactar de forma negativa em suas três etapas de produção: processo de fabricação, durante o uso, e com os resíduos gerados no momento do descarte. E como as roupas podem contribuir para o aumento da poluição ao meio ambiente? 

Além da contaminação pela utilização dos produtos químicos perigosos, muitas peças têxteis são desenvolvidas com tecidos sintéticos, derivados do petróleo. São fibras sintéticas, polímeros e microplásticos que acabam sendo descartados nas águas de rios e mares, e dentre diversos impactos, afetam a cadeia alimentar.

Há diferentes formas de evitar que o consumidor e o meio ambiente sejam impactados. Uma delas é o programa ZDHC - Zero Discharge of Hazardous Chemicals, criado em 2011, e que inclui marcas de moda, afiliados e associados da cadeia de valor. 

O objetivo do ZDHC é apoiar todo o segmento global de têxteis, couro, vestuário e calçados a reduzir e substituir os produtos químicos perigosos por produtos mais seguros no processo de produção, além de garantir que os resíduos sejam tratados de forma adequada. Seu objetivo é monitorar a performance da indústria e toda a sua cadeia produtiva e assim, mitigar riscos ambientais e de responsabilização corporativa. 

O ZDHC é um produto oferecido pela Intertek - multinacional responsável por testes, análises e certificações em mais de dez frentes de produtos e serviços, incluindo o mercado têxtil.

- Como a cadeia têxtil e os consumidores são impactados pelo ZDHC?

Estima-se que o setor têxtil é responsável por, pelo menos, 8% das emissões mundiais de gases de efeito estufa e por 20% da poluição industrial das águas residuais. A entidade inglesa Ellen MacArthur Foundation publicou o relatório A New Textiles Economy, em que afirma que a cada segundo no mundo, o equivalente a um caminhão de roupas é enviado a aterros sanitários ou à incineração e menos de 1% das fibras usadas na produção de roupas são recicladas ou destinadas para a produção de novas peças. Ainda de acordo com o estudo, se continuar nesse ritmo, até 2050 a indústria da moda usará um quarto de orçamento de carbono do mundo. É de se preocupar!

Segundo a ABIT, apenas no Brasil, calcula-se que sejam produzidas cerca de 175 mil toneladas de resíduos têxteis, por ano. Vale ressaltar que cada peça produzida sempre gera aparas e retalhos. Pelo menos 40%, ou aproximadamente 70 mil toneladas, são enviados a empresas recicladoras que reaproveitam para a produção de barbantes, mantas, fios ou novas peças. Os outros 60%, cerca de 100 mil toneladas, acabam sendo descartados em aterros sanitários (contaminam o solo) ou incinerados (quando queimados, liberam gases nocivos no ar).

Em São Paulo, por exemplo, são geradas cerca de 63 toneladas de resíduos têxteis, por dia, segundo a Loga, empresa responsável pela coleta destes materiais na região Noroeste da capital paulista e que recolhe os materiais nos locais considerados os polos da confecção: o Brás e o Bom Retiro, na zona central da cidade.

No Brasil, grandes varejistas já têm exigido que fabricantes e fornecedores monitorem suas produções e utilizem produtos químicos certificados com base nos padrões do ZDHC. Essas diretrizes podem contribuir muito para o meio ambiente, consumidores e trabalhadores do setor. 

Ao passar por coletas de amostras, testes químicos, verificações e treinamentos, as empresas se adequam ao programa e seus produtos se encaixam nos padrões requeridos pelo mercado. Assim, esses produtores avançam na direção da descarga zero de produtos químicos perigosos e contribuem com o meio ambiente, protegendo consumidores, trabalhadores e o meio ambiente.

O caminho dos nossos têxteis, couro, vestuário e calçados
Este modelo de extração > produção > descarte é insustentável e merece atenção. Em toda a cadeia produtiva podem acontecer impactos ambientais que envolvem contaminação do solo, consumo e poluição de água, de energia, emissões atmosféricas de poluentes e resíduos sólidos.

Para a obtenção de fibras, por exemplo, durante o cultivo do algodão há o uso de uma grande quantidade de pesticidas, inseticidas e fertilizantes. Isso causa contaminação da água, do solo e da fauna local, sem contar a geração de grandes quantidades de resíduos e materiais não biodegradáveis. 

O uso dessas substâncias químicas é nocivo para as pessoas e para as lavouras. Ainda há a extração e uso de matérias-primas causando o desmatamento das florestas. Outro fator preocupante é o volume de água utilizado nos processos de beneficiamento e acabamento, que inclui as etapas de alvejamento e tingimento dos produtos têxteis.

Durante o uso, conforme as peças são lavadas, principalmente de tecidos como Poliéster, Acrílico ou Poliamida, há liberação de microplásticos que voltam aos mares, rios e oceanos. Esse é um agente invisível, mas que tem grande impacto ambiental. Eles são encontrados em tecidos sintéticos e potencializam a degradação do meio ambiente. 

Além dos microplásticos, as substâncias como ftalatos, metais pesados, fenóis, entre outros, também são utilizadas. Consideradas prejudiciais ao meio-ambiente, elas também podem oferecer riscos à saúde humana.

A gestão de produtos químicos e gerenciamento de resíduos dentro da indústria têxtil é um desafio. Para que o descarte chegue a zero neste setor há um caminho longo, mas há também guias para que as fábricas se adequem causando um mínimo de impacto ambiental, o ZDHC. O conjunto de diretrizes irá apontar o que deve ser mudado desde o cultivo até o descarte, considerando se a empresa segue todos os requisitos.

- E os consumidores nessa história?

Para os fabricantes, as alterações podem surgir como alto custo ou como uma mudança na mentalidade do mercado. Mas muitos consumidores aprovam essa transformação. Com a sustentabilidade, consumo responsável e a temática da mudança climática, muitos consumidores têm buscado fazer a sua parte neste cenário. Uma pesquisa realizada pela ABIT identificou que 55% dos consumidores começam a valorizar marcas e produtos que sejam realmente sustentáveis; 24% deles aprovam marcas e produtos com propósitos sociais.

Porém há também um desafio que é o de produzir peças que, além de serem produzidas de forma sustentável, também possam ter o descarte correto. Neste contexto, os valores dos produtos tendem a aumentar, por se tratar de tecnologias avançadas e todo um processo de gestão. Então, para 56% dos consumidores entrevistados, o vestuário mais sustentável deveria ter o mesmo valor de um produto que não tenha esse conceito. Mas 23% estão dispostos a pagar a mais para contribuir com a causa e 21% acreditam que tais produtos deveriam custar menos.

E o comportamento também tem apresentado mudanças. Alguns consumidores estão dispostos a trocar suas marcas preferidas por outras que sejam mais sustentáveis. Neste estudo, 65% disseram que trocariam, desde que a peça custasse o mesmo valor. Já 18% não estão dispostos a realizar essa troca e 17% já priorizam produtos ecologicamente corretos e trocaria sua marca preferida mesmo que o produto sustentável fosse mais caro.

O uso de produtos químicos perigosos e tóxicos no processo de produção da indústria têxtil é preocupante, mas há maneiras de substituí-los por produtos mais seguros, além de se adequar à ética de produção. O consumo desenfreado pode causar grandes danos, mas a raiz está no momento em que se coloca um produto no roadmap das empresas, lembrando que há etapas a serem seguidas e processos, certificações, testes e análises capazes de evitar males maiores.


Fonte: Renata Lucio - Gerente da Business Line Softlines