O que o gambito da rainha e a estruturação ESG têm em comum?



Você já teve a oportunidade de jogar uma partida de xadrez? Em algum momento sentiu curiosidade em entender por que este jogo de tabuleiro consegue ser tão atual nas principais escolas de estratégia, inovação em negócios e, até mais recentemente, em uma das minisséries mais assistidas? Pois é, alguns dizem que o xadrez é uma ciência, e que o planejamento antes de movimentar cada peça é essencial se não quiser perder o jogo em minutos.

O então famoso gambito da rainha, é um jeito de começar um jogo de xadrez, trata-se de uma abertura na qual você sacrifica uma peça para tirar vantagem disso depois.

No xadrez, cada jogador tem 16 peças, e cada peça tem seus próprios movimentos e importância. O objetivo é capturar o rei inimigo dando xeque-mate. Existem ainda algumas variações que saem do convencional, em que um dos jogadores não visualiza o tabuleiro, joga mentalmente. Ou mesmo o xadrez simultâneo às cegas, em que um jogador, sem visualizar o tabuleiro, joga simultaneamente com vários jogadores ao mesmo tempo.

Assim como quem quer aprender as nuances do xadrez, o termo ESG (em português, Ambiental, Social e Governança) é a pauta que vem sendo cuidadosamente discutida dentro dos diferentes setores de empresas, negócios e sociedade (principalmente investidores) para entender quais as regras do jogo, quem são os jogadores, como as peças se movimentam, quais as estratégias por trás de cada iniciativa.

Em um formato simplificado, o ESG trata-se de uma organização de iniciativas que já estavam sendo realizadas (ou que deveriam, na medida do possível), principalmente pelas áreas de Sustentabilidade, e traduzidas em um formato objetivo, transparente, planejado e engajado.

Assim como no xadrez, seja em qual for os pilares (Ambiental, Social ou Governança), ter um planejamento e visão estratégica é de extrema importância. Além disso, não é possível jogar este tabuleiro de forma simultânea, com vários jogadores, se não houver clareza e transparência, elementos primordiais para criar reputação, trazer segurança e sustentabilidade.


5 estratégias do jogo de xadrez para aplicar ao contexto ESG

1. Entenda quais as regras do jogo

Como qualquer jogo que você pretende se desafiar, é preciso conhecer as regras. Algumas empresas começam a criar áreas internas contratando especialistas em ESG, outras estão aproveitando sua estrutura de Sustentabilidade, adaptando e organizando as atividades já realizadas para apresentar de forma mais clara sua estratégia e seus relatórios. Outras empresas, que estão precisando de atitudes mais rápidas e emergenciais ao atendimento de exigências de mercado, estão procurando consultorias de Sustentabilidade/ESG.

Conhecer a urgência da organização, reunir os conhecimentos já trabalhados e mapear suas potencialidades e limitações é um diferencial do xadrez que você deve levar para os negócios. Essa gestão do conhecimento torna mais visível no médio e no longo prazo os impactos de sua decisão.


2. Como as peças se movimentam?

Antes de começar a movimentar as peças é importante que entenda qual o seu objetivo, como pretende alcançá-lo e quem são os atores com quem será necessário dividir o tabuleiro. Isto é uma lição de estratégia do xadrez, que pode evitar que em poucos movimentos sofra um xeque-mate.

Para este primeiro momento, é importante que faça a lição de casa, entendendo quais os públicos que influenciam seu negócio, fazendo uma análise de percepção e expectativas de quais são os temas relevantes sob o ponto de vista de sua cadeia de valor.

Estas avaliações permitem elaborar uma matriz de Impacto do Negócio X Importância para seu público (interno x externo). Este será seu direcionador para avaliar as condições e tendências do mercado, estabelecer prioridades, apresentar metas que façam sentido e até mesmo cocriar soluções de valor compartilhado. Então, assim como acontece em alguns casos do xadrez, jogar mentalmente e sem olhar para o tabuleiro, pode ser uma forma prática e rápida de jogar, mas o risco de perder logo na terceira movimentação de peças é muito alto. Sendo assim, conheça muito bem a capacidade e característica de cada peça.


3. Quais os aprendizados de outros jogadores?

Os índices que relacionam e integram dados ambientais, sociais e de governança estão se convertendo em uma tendência principal dos negócios. Alguns índices são conhecidos por destacar empresas com forte desempenho ESG, como o que foi criado em conjunto pela S&P Dow Jones índices e a B3. No início estes índices, consideravam apenas uma faixa de poucas empresas (10%) com desempenho superior, e estes destaques validavam apenas as melhores de sua classe, o que era muito restrito para investidores que querem diversificar com retornos mais alinhados com uma carteira mais sustentável de empresas. Com o lançamento do Índice S&P/B3 Brasil ESG, o Brasil agora tem um índice ESG que conserva uma amplitude e diversificação. (B3, 2021)

Além destes índices, é importante fazer um estudo das referências do mercado, seja ele dentro de sua área de atuação ou mesmo fora de seu segmento. Estudando esses sucessos e fracassos será possível prever desafios que possam ser semelhantes (Ex: custos e prazos de uma certificação, no caso de obtenção de títulos verdes), evitar a repetição de erros e, assim, maximizar os retornos sejam eles financeiros ou reputacionais. Fazer o benchmarking vai deixar mais preparado para lidar com as barreiras e agilidade para trazer soluções.


4. Existe alguma lacuna não explorada?

Encontrar a maturidade em relação à organização e estratégia ESG, conseguir manter o alinhamento de seu compromisso com a visão dinâmica de mercado e executar o que foi planejado já é um grande alcance e merece reconhecimento. Porém, ter uma análise cuidadosa de espaços/lacunas ainda não aproveitados no tabuleiro para ampliar a oportunidade de novas jogadas, pode trazer destaque entre os jogadores. Há sim a possibilidade de se destacar e ser influenciador, principalmente em temas que já estão muito bem trabalhados internamente.

É bastante comum ouvir das empresas que já realizam operações de forma bastante inovadora e eficiente, não saber que já estavam tendo diferenciais em Sustentabilidade. Utilizar assim, metodologias cientificas de comparação como a Análise de Ciclo de Vida (ou Ecoeficiência) podem facilitar a comunicação, apresentar cenários futuros mais consistentes e garantir maior transparência, reduzindo assim a incerteza e insegurança de quem é investidor ou outro público a que se pretende dialogar.

Em finanças sustentáveis, por exemplo, é possível estimar os impactos ambientais e econômicos da aplicação de um título verde para gerar energia a partir de tecnologia fotovoltaica ao invés de utilizar energia do GRID, ou ainda utilizar carros a bateria ao invés de frota flex (etanol/gasolina).


5. Perder algumas peças pode ser parte da jogada

Ter visão sistêmica e, principalmente, o entendimento de onde podem ser seus temas materiais mais sensíveis ao abordar o tema ESG, é imprescindível antes de fazer alguma publicação ou elaborar uma estratégia de obtenção de recursos.

Muitas empresas, que estão lançando seus relatórios ou indicando um investimento baseado em metas de Sustentabilidade, estão sendo questionadas quanto a transparência, ao quão ambiciosa foi estipulada esta meta e se existe uma correlação que produza um movimento evolutivo entre seus indicadores.

Então, é importante o investimento de tempo e recurso para mapear os riscos de suas jogadas.

Porém, pode acontecer que tenha elaborado um plano seguindo passo a passo sua estratégia, mapeado os possíveis riscos, e de um dia para o outro, uma parte (ou peça) indispensável tenha sido perdida. 

A lição do xadrez é que possa se recuperar e agir rápido para reformular o direcionamento do próximo avanço. Esta capacidade de reagir com velocidade e acelerar a recuperação após imprevistos é parte importante para quem quer ter sucesso no jogo.

"A sorte sempre está do lado do melhor jogador".

Assim, a melhor jogada, seja no xadrez ou no plano de negócio ESG, é jogar com suas fortalezas e ter planos de ação para os temas que ainda estão em desenvolvimento. Para isso, é preciso avaliar constantemente os seus dados de controle, entender profundamente o que sua cadeia de valor tem de expectativa, como se relaciona com ela e construir cenários sólidos e transparentes. 

Este é o convite que a agenda ESG vem propor para as empresas e a sociedade, que as ações possam ter resultados mais abrangentes, holísticos e que gerem valor compartilhado.


Fonte: Max Wilson - Coordenador de Sustentabilidade Aplicada na Fundação Espaço ECO