Estudo comprova ocorrência de botos amazônicos em novas áreas no Amapá


Um estudo desenvolvido pelo WWF-Brasil, Instituto Mamirauá e IEPA (Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá) comprovou a existência de botos-cor-de-rosa (Inia geoffrensis), tucuxis e botos-cinza (Sotalia fluviatilis, S. guianensis) em uma extensão de 4.224 km de rios no estado do Amapá, em uma região onde não se tinha confirmação da existência desses animais. 

A descoberta que mais intrigou os pesquisadores foi a presença de botos no rio Cassiporé, um rio isolado no extremo norte do estado, e sem conexão continental com outros rios.

O estudo foi desenvolvido com dados coletados ao longo de 12 anos e utilizou uma abordagem multidisciplinar com visitas de campo, pesquisas bibliográficas e depoimentos com comunitários e ribeirinhos. 

"O conhecimento dos povos tradicionais é um dos pontos que utilizamos neste projeto e os relatos apontados por eles quase sempre se confirmam no campo. Tudo é novo, pois não havia nada publicado sobre estes animais naquela região; estamos escrevendo a história dos mamíferos aquáticos do Amapá agora", afirma Miriam Marmontel, líder do Grupo de Pesquisa em Mamíferos Aquáticos Amazônicos do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá.

Segundo o estudo, o Amapá pode ser considerado uma nova fronteira econômica da Amazônia, principalmente devido à expansão agrícola, ao potencial energético com a instalação de usinas hidrelétricas e outras atividades, como a pecuária de búfalo. Segundo o especialista em conservação do WWF Brasil, Marcelo Oliveira, as estimativas populacionais, estudos ecológicos e genéticos de diversas regiões da Amazônia são ferramentas essenciais para orientar as estratégias de conservação, manejo e desenvolvimento sustentável especialmente neste momento de expansão da região. 

"A descoberta da existência da espécie em uma área muito maior do que se esperava reforça que ainda há muito a se descobrir sobre a Amazônia. O conhecimento da distribuição geográfica das espécies é fundamental para responder a muitas questões ecológicas e sustenta o manejo de conservação eficaz", afirma Oliveira.

A grande surpresa do estudo foi a comprovação da existência de botos, golfinhos de água doce, no rio Cassiporé e ainda é um mistério como esses animais chegaram até lá. O rio fica no extremo norte do estado do Amapá e só tem conexão com outros grandes rios pelo mar. 

"Acreditamos que em épocas de grande vazão do rio Amazonas tenha sido possível uma migração destes animais por uma região próxima à costa onde, durante esses períodos, forte fluxo de água doce forma a pluma do rio Amazonas", diz Oliveira.

De acordo com Claudia Funi, especialista de geoprocessamento do IEPA, os moradores da região já conheciam a existência dos botos. "Mas, essa é uma informação nova para a ciência. E quando realizamos o trabalho vimos que eles estão mais associados à planície costeira em quase todas as bacias da região. O que não sabemos ainda é se eles migram de uma bacia para outra pela costa ou no inverno pelos campos alagados", afirma Funi.

A região abriga a maior extensão de manguezais do mundo e também é área de ocorrência do fenômeno conhecido como pororoca, que é quando as diferenças de maré e a influência da lua cheia ou nova formam verdadeiras paredes de ondas nos rios. "Ainda precisamos entender como é a relação desses animais com o mangue e se eles seguem migrando para outros rios pelo mar", afirma Marmontel.


- Exemplo da Ásia:

Os botos são um grupo particularmente vulnerável de cetáceos de água doce, distribuídos em apenas 14 países na Ásia e na América do Sul. Todas as espécies estão ameaçadas pela modificação de seus habitats. Na Ásia, ao longo dos últimos anos, foram realizados diversos esforços e investimentos para a avaliação de ameaças e impactos às espécies de botos. 

Porém, os resultados como estimativas populacionais e distribuição geográfica chegaram tarde demais para algumas espécies. Os impactos causados nos habitats foram tão severos que uma espécie foi extinta, o baiji no rio Yangtze, e outras apresentam populações com aproximadamente 1000 indivíduos.

No entanto, a região amazônica mantém a maior população de botos do mundo, a maior parte no Brasil. A Amazônia brasileira abrange nove estados, e muitos desses territórios carecem de informações confiáveis ​​sobre a ecologia dos botos. 

"Apesar da grande pressão e ameaças que existem na região, ainda há tempo para entendermos os impactos e o que podemos fazer não só para garantir um desenvolvimento sustentável para a região como também para que possamos proteger estas espécies e os rios da Amazônia", explica Oliveira.

- Ameaças:

Na região central do estado, na bacia do rio Araguari, a construção de três hidrelétricas, entre outros fatores, isolou populações e mudou a vazão do rio, extinguindo a pororoca. "Aquela grande onda que atraia campeonatos internacionais de surf e turistas do mundo todo não existe mais", afirma Marcelo Oliveira.

Entre as barragens, o estudo aponta que os grupos de botos-cor-de-rosa limitados pela barreira física tendem a deixar de existir. "Tudo que fazemos gera impacto para a natureza em geral. E nos botos temos influenciado diretamente, especialmente ao construir essas grandes estruturas, barragens, pois impedem o acesso deles e mudam a dinâmica dos rios na região e não sabemos como isso afeta a capacidade de sobrevivência de longo prazo dos botos", explica Marmontel.

Outra ameaça às espécies da região é o cultivo de búfalos na região, que alteram a paisagem hidrológica da região com o pisoteamento de diversas áreas. "Os búfalos divergiram os canais do Araguari, que reduziram a força da água no rio. Essas mudanças hidrológicas também afetam diretamente a vida dos botos", diz Oliveira.

Além das mudanças hidrológicas, a presença do garimpo também contribui para o acúmulo de metais pesados, como o mercúrio, nos botos. "O mercúrio é um metal que vai se acumulando na cadeia alimentar e se concentra nos botos por serem animais topo de cadeia. Não há clareza de como isso pode prejudicar a vida deles e precisaremos entender isso o quanto antes. Nos homens, este metal afeta capacidade neurológica e é a causa de várias outras doenças", explica Marmontel.


Fonte: WWF Brasil