Onça-pintada sob crescente ameaça no Brasil



O maior felino das Américas está sob ameaça. A perda de habitat e a caça ilegal persistem e, em 2020, um novo alerta foi dado com o aumento expressivo do desmatamento e queimadas. Estima-se que as recentes queimadas que atingiram o Pantanal e a Amazônia desde o começo do ano mataram, feriram ou desalojaram centenas de onças-pintadas. 

Somente na Amazônia, onde número médio varia de 2 a 5 indivíduos a cada 100km2 de área, aproximadamente 1.000 onças foram impactadas nos últimos dois anos com a escalada do desmatamento. 

O acumulado nos dez primeiros meses deste ano soma 93.356 focos de fogo na Amazônia. Em 2019, foram 74.604. No pantanal, estima-se que uma área de 4,2 milhões de hectares, aproximadamente 28% do bioma, foi consumida pelas chamas.


Outra ameaça constante à espécie é a pressão pela caça, que tem sido turbinada pelo tráfico internacional de partes de onça e que preocupa autoridades na América do Sul. 

Nos últimos anos, apreensões de dentes, garras e "cola de onça"- substância com aspecto de graxa que é feita a partir da fervura do corpo do animal durante dias - foram feitas no Suriname e Bolívia em carregamentos destinados à China. 

Com a escassez de partes de tigres, o mercado asiático está ávido por substitutos aos produtos equivocadamente considerados medicinais e que alimenta um comércio que durante décadas tem levado populações de elefantes, rinocerontes e tigres à beira da extinção. 

"Ainda não existem dados concretos sobre esse modelo de contrabando no Brasil, mas os resultados de recente investigação coordenada pela IUCN, relatam dezenas de traficantes de partes de onças atuando nos países vizinhos, como Suriname, Peru, Guiana e Bolívia", analisa Juliana M. Ferreira, diretora da Freeland Brasil.

De acordo com Juliana, o comércio de produtos de animais selvagens tem um sólido histórico de destruição: "A onça-pintada já foi alvo do comércio de peles de animais que vigorou até os anos 1970. Neste período, estima-se que 180 mil onças tenham sido caçadas na Amazônia brasileira para abastecer o mercado de peles". Entretanto, mesmo proibida, a caça esportiva não parou.


Em 2016, por exemplo, a Polícia Federal deflagrou a Operação Mustache , em algumas cidades no Acre, com o objetivo de desarticular uma associação criminosa constituída para a prática periódica de caça de onças-pintadas e suas presas naturais. Em 2019, o Ministério Público Federal denunciou o grupo por caça ilegal de animais silvestres.

Durante as investigações, a Polícia Federal, obteve provas que vão de escutas telefônicas, mensagens de texto, peles de onças e carne de caça. De acordo com o Procurador da República Humberto de Aguiar Junior, no dia 28 de outubro deste ano, o Ministério Público Federal apresentou suas alegações finais no caso. 

"O MPF requereu a condenação de todos os sete réus pelos crimes: (i) caça de animal silvestre ameaçado de extinção (com causa de aumento da pena); (ii) caça de animal de silvestre; (iii) guarda e manutenção em depósito de produto oriundo da fauna silvestre; e (iv) associação criminosa", diz.

Para Marcelo Oliveira, especialista de conservação do WWF-Brasil temos muito pouco a comemorar neste último dia da Onça Pintada, pois a espécie ainda é muito ameaçada pela caça ilegal e pelo tráfico, além das queimadas e desmatamento que incidem em seu habitat. 


"Um dos poucos casos que podemos celebrar é o crescimento da população de onças do Parque Nacional do Iguaçu, na Mata Atlântica, depois de décadas de conflitos e de redução da população de onças no parque nacional. Precisamos de todo engajamento possível para implementar estratégias de proteção para a espécie", ressalta.

Segundo Marcelo Feller e Thais Rego Monteiro, advogados criminalistas, que comumente atuam em defesa de animais, a caça promovida pela quadrilha era, muitas das vezes, realizadas em domingos e feriados, o que torna a pena aumentada da metade. 

Além disso, a pena também se agrava por serem, alguns deles, animais considerados ameaçados, como a onça-pintada. Em decorrência das buscas e apreensões realizadas pela PF, foram encontrados com alguns dos réus carnes das caças, o que tipifica outro delito. 

Os acusados mantinham um canil com diversos cães de raça treinados especialmente para a caça desses animais. Também há nos autos prova concreta da prática corriqueira do grupo, demonstrada por inúmeras fotografias, vídeos e conversas via WhatsApp sobre as caçadas, com imagens de inúmeras onças mortas ao lado dos investigados armados, como se troféus fossem. 

Os advogados afirmam, "fotografias em porta-retratos apreendidos chocam porque mostram que as mortes desses animais ocorriam em detrimento da satisfação e prazer pessoais dos investigados. As cabeças das onças são troféus. A pele se transformava em tapete". 

As caçadas ocorriam pelo menos desde 1987, e ao menos 1.000 onças-pintadas podem ter sido cruelmente mortas neste período, conforme demonstrou reportagem exibida pelo Fantástico em 4 de agosto de 2019.



- A importância das onças para a economia e o meio ambiente:

Espécie emblemática e reconhecida como o maior felino das Américas, a onça-pintada desenvolve um papel fundamental no funcionamento da floresta. Considerada uma espécie "guarda-chuva", ela é um indicador de qualidade dos ecossistemas. 

Populações saudáveis ​​de onças necessitam de grandes áreas naturais, habitats funcionais e abundância de presas, portanto, a conservação das onças protege a biodiversidade, mantém florestas e pântanos com estabilização climática e melhora a disponibilidade de serviços ecossistêmicos como, por exemplo, a disponibilidade de água e ar limpo. 

Além disso, também contribuem para a melhora da qualidade de vida de populações que vivem próximas aos locais de ocorrência. Por séculos a onça-pintada tem sido cultuada como um animal símbolo de força por inúmeros povos indígenas na América do Latina.

Do ponto de vista da economia, a onça representa um importante ativo em suas áreas de ocorrência. O turismo é o setor que mais se beneficia da existência da espécie. Um estudo realizado pela organização Panthera Brasil em 2015 revelou que o ecoturismo da onça teve receita anual de 6,8 milhões de dólares no Pantanal. 

Ainda, de forma mais direta, o turismo ecológico ou cultural nas áreas habitadas por onças beneficia 36,6 milhões de pessoas. A presença da espécie é um importante bioindicador da qualidade de um ambiente natural. Apenas 8,6% da superfície terrestre do Planeta possuem populações de onça. Essa mesma área é lar de 28% de toda biodiversidade global. 

Um recente levantamento realizado pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas mostra que cerca de 9,8% dos serviços de pesca comercial do mundo e 17% do sequestro e dos estoques de carbono mundial acontecem nas florestas habitadas pelas onças-pintadas, beneficiando bilhões de pessoas.



Fonte: WWF-Brasil