Limites na disponibilidade de direitos trabalhistas e garantias constitucionais


Uma das marcas mais relevantes do Direito do Trabalho e que o faz diverso do Direito Civil é o exercício da autonomia da vontade, considerada contida nos seus efeitos e suspeita em razão da desigualmente econômica e de subsistência alimentar que o emprego e salário representam para o trabalhador. 
Desta forma, a possível revisão das consequências do seu exercício pelo empregado observa a natureza da perda, se de natureza individual exclusivamente, ou se o ato de vontade do empregado afeta terceiros ou a sociedade e mesmo quando tomada de forma coletiva os limites consagrados pela lei.

Neste sentido, dentre os princípios do Direito do Trabalho o da indisponibilidade de direitos trabalhistas tem sido frequentemente colocado em discussão e, em especial, quando se trata de flexibilizar as garantias do artigo 7º da Constituição Federal, consideradas como direitos de ordem pública ou direitos fundamentais do trabalhador. Aqui convém observar que a ordem pública estabelecida como garantias de direito pode ser derrogada quando for para atender a essência do disposto no caput do artigo 7º e quando diz respeito à melhoria da condição social.

A reforma trabalhista (Lei nº 13.467/17) colocou em confronto a opção de trabalhador amparado pelo parágrafo único do artigo 444 da CLT pelo exercício da autonomia da vontade entre norma coletiva e acordo individual.

De modo inegável o Direito do Trabalho se construiu ao longo da história como garantidor de direitos e até mesmo contra o próprio empregado nas renúncias pactuadas na constância e execução do contrato de trabalho. O direito civil aqui não prevalece e a autonomia da vontade, fragilizada, é supervisionada.

Neste sentido, a qualificação e legitimidade de acordos ou mesmo normas que contrariam a ordem pública devem ser contextualizados. Assim, neste período de calamidade pública, em razão da pandemia do novo Coronavírus, as normas de urgência, que permitiram a pactos de redução de direitos e preservação de emprego e renda adquiriu legitimidade em benefício da preservação da ordem pública do momento, sem revogação da estrutura fundamental já estabelecida. Os meios utilizados é que ainda serão objeto de questionamentos, especialmente pelos acordos individuais e a capacidade de os empregados estabelecerem formas de contrapartidas.

De outro lado, no confronto das garantias constitucionais e liberdade contratual frequentemente se caminha com dúvidas e inseguranças, não por ilegalidade ou ausência de liberdade, mas por absoluta desigualdade e ameaça à ordem pública constituída, baseada em regras de equilíbrio que os particulares devem preservar entre si.

O sítio do TST, no dia 1º/9 publicou notícia com a seguinte chamada: Pedido de demissão de gestante não afasta direito à estabilidade provisória. A decisão foi proferida pela Quarta Turma, com relatoria do Ministro Caputo Bastos anulou pedido de demissão de empregada gestante (RR-1000987-93.2018.5.02.0038 e RR-345-91.2018.5.12.0028) para considerar que além da garantia constitucional o acórdão refere à jurisprudência da Corte Superior no sentido de estender os efeitos do artigo 500 da CLT e que somente admite pedido de empregado estável mediante assistência sindical ("o pedido de demissão do empregado estável só será válido quando feito com a assistência do respectivo Sindicato e, se não o houver, perante autoridade local competente do Ministério do Trabalho e Previdência Social ou da Justiça do Trabalho").

Muito embora o artigo 500 da CLT foi inserido para assistência do empregado estável pelo regime da CLT, isto é, com mais de 10 anos de trabalho para o mesmo empregador (ressalva necessária), foi alargada sua aplicação para outras condições de garantia de emprego.

E o acórdão conclui que “a estabilidade provisória é direito indisponível e, portanto, irrenunciável, uma vez que se trata de proteção à empregada gestante contra a dispensa arbitrária e ao nascituro”.

A efetividade da extensão da garantia constitucional, inserta no artigo 10, alínea “b” do ADCT, impede à gestante autonomia na renúncia ao seu direito e ao benefício da maternidade destinado em especial ao nascituro, ainda que não demonstrado vício de consentimento nem mesmo coação para pedido de demissão.


                                                   

Fonte: Paulo Sergio João - advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Fundação Getúlio Vargas.