Crise, mudança e aprendizados para o desenvolvimento sustentável



Começamos o ano de 2020 falando sobre os desafios que nos esperavam na agenda do desenvolvimento sustentável, conforme chegamos ao início da "Década da Ação", termo usado pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, em referência ao prazo estabelecido para alcance das metas da Agenda 2030, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).


Mas a maratona de 10 anos para superar desafios como as mudanças climáticas, desigualdades sociais, fome e miséria começou com um grande obstáculo. Logo na largada, a humanidade foi confrontada com uma adversidade de proporções inéditas e precisou, curiosamente, desenvolver exatamente níveis de Ação e Coordenação que pareciam impensáveis. 

A pandemia do novo coronavírus nos colocou diante de desafios nunca antes vivenciados. Governos, empresas e indivíduos precisaram buscar novas soluções, pois não havia experiência prévia ou dados científicos suficientes para orientar todas as decisões. A crise provocou grandes transformações, como é de sua natureza.

Nesse sentido, se pararmos para pensar, a agenda do desenvolvimento sustentável e o combate ao vírus apresentam um aspecto comum: são problemas multifatoriais, que misturam questões sociais, ambientais e econômicos, tanto na causa quanto nas consequências. Na origem, a Covid-19 parece ter iniciado a partir da transmissão do vírus de um animal para um humano. 
Os mercados de animais silvestres onde isso provavelmente aconteceu surgiram na China em decorrência de um problema social, que foi o período de fome que o país viveu entre 1958 e 1962. 

Na agenda 2030, a forma como a sociedade e a economia se organizam leva os agentes a tomarem decisões que privilegiam retornos econômicos de curto prazo, sem preocupação com as externalidades sociais e ambientais geradas nos processos de longo prazo. Nas consequências, ambas crises atingem, talvez em proporções distintas, tanto quem procura se ajustar à nova rotina quanto quem continua a vida "normal".

Nos dois casos, o maior entrave para reduzir impactos negativos é provocar uma mudança de comportamento em larga escala. Nos ODS, fatores como ser uma agenda de médio/longo prazo, com impactos predominantemente indiretos, mesmo que de proporções gigantescas, além da necessidade de coordenação em nível global, impõem um desafio maior para a transformação. 

Ou seja: como aprendemos com a economia comportamental, não é fácil convencer alguém a trocar um benefício imediato pela supressão de problemas de longo prazo, mesmo que estejamos falando de verdadeiras catástrofes climáticas e sociais, como demonstram os cientistas do clima.

Já no combate à Covid-19, a emergência rápida de situações calamitosas, bem como uma relação mais direta de ação-consequência, facilita o convencimento da população, ainda que tenhamos testemunhado movimentos de resistência à mudança, como já esperado diante da recente ascensão de uma cultura de desvalorização da ciência. Também precisamos enfrentar a fabricação de uma falsa dicotomia entre saúde e economia. 

Por natureza, abraçamos ideias simplistas rápido demais e entramos de cabeça na discussão, como se estivéssemos limitados a escolher entre salvar vidas ou preservar empregos. O problema é que o mundo real é mais complexo. Perdemos algum tempo, mas a sociedade percebeu que há outras opções além de inundar o sistema de saúde ou fechar tudo por meses e deixar todos à mercê da própria sorte. Após forte pressão social, medidas de socorro começaram a ser discutidas e aprovadas.

Nas duas situações, há também os oportunistas preocupados em extrair o máximo de valor no menor tempo possível, agindo contra a transformação necessária, e a organização coletiva para denunciar e combater tais movimentos. Questões naturais a qualquer processo de mudança. De qualquer forma, a crise que estamos vivendo mostra como a sociedade pode ajustar comportamentos, ao ser informada adequadamente e criar consciência sobre o papel de cada um. 

Nos momentos em que conseguimos fazer isso, foi possível convencer parte das pessoas a cumprir sua parte e viabilizar que cientistas e especialistas trabalhassem nas estratégias de resposta mais adequadas. Não quer dizer que seja fácil.

Como sociedade, estamos sofrendo e precisaremos de muita resiliência para continuar em frente. Ainda é incerto o tamanho dos impactos da Covid-19. Ambientalmente, por exemplo, foi possível verificar redução da poluição atmosférica em locais que decretaram o isolamento lockdown. Por outro lado, houve crescimento no uso de descartáveis e prejuízos relevantes para a cadeia de reciclagem. 

Fato indiscutível é que teremos mudanças profundas nos sistemas de saúde, na economia e na própria cultura. O que fica para o futuro é o principal aprendizado desta crise: somos capazes de fazer grandes transformações quando estamos convencidos de que vale a pena.

Vejamos o exemplo das Fake News, mazela de nossos tempos que se dissemina com velocidade assustadora e que gera consequências graves para política, economia e sociedade. O remédio? Informação de qualidade, que salva vidas, previne enganos e viabiliza decisões mais inteligentes. No cenário atual, a boa notícia é que é possível vislumbrar relances de uma sociedade mais consciente, o que também gera novas demandas para governos, empresas e marcas. 

Ponto para os jornalistas profissionais, que vem cumprindo sua incansável missão de apurar informações e gerar conhecimento, a ponto de ser reconhecidos pela população durante a crise, com índices de confiança muito superiores aos verificados em redes sociais e aplicativos de mensagens.

Que o combate a essa difícil crise sanitária global ensine todos nós, atores responsáveis por fazer a Década da Ação se concretizar, como alavancar as mudanças necessárias para o desenvolvimento sustentável: convencer pessoas depende de boa comunicação, baseada em evidências, valorizando a ciência e com engajamento genuíno dos stakeholders. As sociedades, empresas ou comunidades que conseguiram fazer isso foram aquelas que se saíram melhor durante a pandemia.

Para a transformação que buscamos com os ODS, esta crise evidencia algo fundamental. Se soubermos tirar as lições já mencionadas, construiremos juntos um novo normal, que fará mais sentido e será realmente sustentável para as pessoas e para o planeta que habitamos. Afinal, não temos para onde fugir e o tempo continua correndo. Ou mudamos a forma como fazemos as coisas, ou novas tragédias de proporções cada vez maiores nos esperam.


Fonte: Danilo Maeda - diretor de atendimento e líder da prática de impacto social e sustentabilidade na JeffreyGroup Brasil