O estado febril da saúde brasileira


Um novo capítulo do caos da saúde marca o começo de 2017. Apresenta-se no país uma nova epidemia: a da febre amarela. Já foram registradas mortes em Minas Gerais e há uma série de suspeitas em diversos estados brasileiros. Reflexo da inoperância e má gestão, capitaneada pelo Ministério da Saúde e reforçada pelos prefeitos, governadores e secretários. Tal qual em epidemias de tempos passados, os gestores revelam que os cidadãos estão à deriva.

Os sintomas da febre amarela incluem febre, dores de cabeça, icterícia, dores musculares, náuseas, vómitos e fadiga. Uma pequena percentagem de doentes que contraem o vírus possui sintomas graves e cerca de metade deles morrem no prazo de 7 a 10 dias.

Interessante refletir que a incidência da febre amarela está presente na América do Sul e Central e na África. Mas, nos séculos. XVII a XIX, a febre amarela também foi levada para a América do Norte e Europa, causando enormes surtos que destruíram as economias e o desenvolvimento, tendo, em certos casos, dizimado as populações. Hoje, porém, não existe mais nesses lugares. Por que não podemos erradicá-la como ocorreu com os países desses continentes, mais desenvolvidos?

Fato é que os dados sobre a febre amarela neste começo de ano sinalizam que teremos mais um ano preocupante na saúde. São pelo menos sete mortes provocadas em Minas Gerais. Os óbitos destas primeiras semanas de janeiro já superam a marca registrada em 2016, quando cinco casos foram comprovados. Em 2009, ano em que foi identificado um surto da doença em vários Estados do País, 17 pacientes tiveram a morte confirmada pela doença.

Além disso, a Secretaria de Saúde de Minas informou haver 184 casos suspeitos de febre amarela no Estado, com 53 óbitos. Desse total, 37 pacientes são considerados como portadores prováveis da infecção. Outros 15 casos (além dos 7 anunciados como confirmados) são considerados como prováveis. Espírito Santo e São Paulo também têm suspeitas.

No núcleo da epidemia, os representantes do Ministério e autoridades municipais e estaduais parecem perdidos sobre a vacinação, o tratamento e a gestão dessa crise. Vacinas, aplicação de larvicidas nas regiões mais suscetíveis ao desenvolvimento das larvas, fiscalização intensa do comportamento dos cidadãos no sentido de evitar a proliferação de focos do mosquito devem ser medidas constantes.

A principal queda de braço está relacionada às doses da vacina. Enquanto o Ministério da Saúde recomenda que a população adulta receba duas doses do imunizante, com intervalo de 10 anos entre as aplicações, o Estado de São Paulo indica que apenas uma dose seja dada, seguindo a orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS). Não importa, neste momento, quem tem a razão ou não, mas é necessário se chegar a um rápido consenso, pois os brasileiros precisam ser imunizados imediatamente, pois a vacina fornece uma imunidade eficaz no prazo de 30 dias a 99% das pessoas vacinadas.

Uma vez presente os sintomas, a detecção imediata e cuidados hospitalares adequados aumentam a sobrevida dos doentes. A rede SUS precisa disponibilizar postos de laboratórios em todos os locais, especialmente os de risco, além de oferecer condições para que se possa iniciar mais rapidamente o tratamento necessário.


No meio desta polêmica, logicamente, milhares de cidadãos não conseguem encontrar a vacina nos postos de saúde dos municípios brasileiros. Seria descaso? Fato é que o ministro Ricardo Barros evita reconhecer a possibilidade de surto, mas admitiu que a situação gera alerta. A suspeita de 53 óbitos em Minas Gerais não seria o bastante para se falar em epidemia ou surto? A certeza de que os modos de se evitar a contaminação também não estão sendo observadas não servem como indício de que o Estado gastará muito mais para cuidar de seus doentes do que para prevenir a doença?

Lamentavelmente, parece que não aprendemos nada com as epidemias de dengue, zika vírus, entre outras. A febre é alta no que se refere à gestão de recursos públicos e pode ser um indicador de infecções incuráveis. Mas remediar não é a solução, é preciso evitar a doença. É preciso sim fazer uma intervenção mais séria, mais humana e menos demagoga e política.



Autoria: Sandra Franco é consultora jurídica especializada em Direito Médico e da Saúde, presidente da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico-Hospitalar da OAB de São José dos Campos (SP), presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde, membro do Comitê de Ética da UNESP para pesquisa em seres humanos e Doutoranda em Saúde Pública.