Sustentabilidade: o caminho rumo à economia de baixo carbono




Caro leitor, trabalho há quase 10 anos em projetos e políticas que visam combater o aquecimento global. Quando começou-se a discutir esse tema de forma ampla na sociedade, por volta de 2009, com o fracasso da Conferência de Kopenhagen, já muito havia sido desenvolvido e estruturado em nível global para combater o aquecimento global em termos de políticas, metas e mecanismos de mercado para reduzir emissões.

Um plano ambicioso, porém coerente, havia sido desenhado, com base no princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Foi a primeira vez que as Nações Unidas agiram proativamente na criação de um Protocolo (Kyoto) que visava combater um problema antes mesmo que seus efeitos pudessem ser sentidos.

As pessoas e entidades envolvidas podiam, e tinham, grande orgulho da sólida base que estava sendo construída de forma multilateral e que possibilitaria a rápida tomada de ação para combater o aquecimento global. Pois então, o que aconteceu?

Aconteceu que o mundo é dinâmico, as bases que criaram o compromisso global de combate às alterações climáticas eram a organização político econômica do início dos anos 90. Onde Brasil, Índia, China e África do Sul, eram economias subalternas, com alguma vocação mal explorada para o desenvolvimento econômico e dependentes das decisões dos países prósperos em quase todos os níveis, desde comerciais, de investimentos e, não raro, políticos.

Assim, o papel desses países era secundário e deveriam ser “ajudados” pelos países mais desenvolvidos a se desenvolver em bases limpas. Nesse contexto, evidente que pouco do ônus do combate ao efeito estufa poderia ser atribuído ao hemisfério sul do Planeta. Apesar que isso foi também uma longa disputa.

Por outro lado, os agentes que criaram o mais fantástico mecanismo internacional já criado: o Protocolo de Quioto, parece não acreditarem que a criação possa evoluir. Estão reféns do brilhante trabalho que fizeram e seduzidos por sua beleza teórica. Isso impede que as instituições avancem na prática e superem os novos paradigmas, que assimilem os feedbacks daquilo que precisa ser revisto e acabam por sufocar a própria criação. Não conseguem admitir que haja qualquer tipo de imperfeição no belo trabalho que fizeram.

A verdade é que há, e não são poucas e nem irrelevantes. Não à toa os mercados voluntários de carbono já superam o volume de negócios que o mercado regulado, as empresas acreditadas pela UNFCCC são objeto de críticas e processos judiciais por falta de qualificação e má conduta ética. É urgente a revisão de procedimentos, transparência e agilidade da UNFCCC para que não acabe por solapar de vez o já debilitado mercado de carbono.

Hoje os países do BASIC (Brasil, África do Sul, India e China) são os mais prósperos do mundo. O mundo rico está em crise e a predisposição em “ajudar”, tornou-se um luxo que poucos podem praticar. De repente, um século de emissões são esquecidos por conta de uma crise. Mas sabemos que as crises são cíclicas.


Um relatório recente da UNEP-Risoe aponta os seguintes dados:


- Emissões do Mundo (2010): 49 GT

- Meta de Emissões (2020): 44 GT

- Para onde vamos, já considerando os esforços em curso: 52GT

- Para onde iríamos sem os esforços em curso: 58GT


Traduzindo: o esforço presente, resultado de 20 anos de discussões e aplicação de mecanismos internacionais conseguiu reduzir 6 GT ano a ano de emissões. Lembrando que a crise global acaba por reduzir a atividade econômica e também as emissões. O objetivo até 2020 é de aproximadamente reduzir 14 GT. Assim, conseguimos realizar menos da metade do que é necessário para evitar um aquecimento superior a 2 graus no século.

Há nesse momento uma armadilha: as emissões estão artificialmente reduzidas pela crise, o momento não é propício para discutir internacionalmente esforços de mitigação pois a crise econômica exige dos governos atenção à empregos e recuperação econômica. Os investimentos em redução de emissões estão reduzidos, e os projetos que reduzem emissões requerem capital e planejamento, não respondendo rápido aos incentivos econômicos por essa razão.

Desta forma, o contexto econômico, a miopia interna nas instituições e uma mudança na organização global são os aspectos que muito impactam na capacidade de reduzir emissões, mas não devem nos impedir de pensar.

Se a recuperação da crise não tiver em conta os cuidados para evitar emissões, estaremos mais uma vez ignorando as lições da história e criando padrões de consumo e infraestrutura altamente emissores - e esses investimentos não podem ser desfeitos rapidamente. A estratégia errada hoje leva décadas para ser corrigida e os efeitos de emissões, mais ainda.

Assim, a crise é o momento apropriado para a revisão dos padrões de produção e consumo de bens e serviços; consumo de energia e forma de transporte, uso da terra, e geração e tratamento de resíduos. Após a crise, nova onda de crescimento virá e se não criarmos a base para uma economia de baixo carbono estaremos criando uma armadilha pra nós mesmos para um futuro que chegará antes do que se possa pensar e totalmente insustentável.

As mudanças climáticas já estão fazendo vítimas: a intensidade e frequência de furacões é comprovada estatisticamente, ano a ano. Os efeitos são indistintos; desde o furacão que atingiu Nova York em 2012 à grande inundação que atingiu o Cunene (Sul de Angola) no mesmo ano.

Temos, mais uma vez, a chance de atacar um problema que já não é novo e iniciar efetivamente a transição para a tão desejada economia de baixo carbono... Vamos?


Autoria : Felipe Bottini - economista pela USP com especialização em Sustentabilidade por Harvard. e Consultor especial do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD.